São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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CRISE FINANCEIRA

Hormônios ditam o humor da Bolsa

JUDITH H. DOBRZYN

SERÁ QUE O MERCADO não parará mais de cair? Há meses governos do mundo todo tentam pacotes, cortes de juros ou qualquer coisa que tire as finanças globais da depressão. Mas nada parece funcionar por muito tempo.
Talvez haja uma razão que todos ignoraram: os hormônios.
Se uma pesquisa publicada neste ano estiver correta, os operadores das Bolsas se tornaram prisioneiros dos seus sistemas endócrinos —da testosterona, elixir da agressividade masculina, em fases “compradoras”; e da hidrocortisona, esteróide que ajuda a lidar com o estresse, quando o medo toma conta.
O estudo sugere que a fúria hormonal explica por que os homens do mercado fazem disparar as cotações quando estão ganhando e as derrubam quando entram em pânico.
Um estrategista de investimentos intuiu a situação: “Normalmente, os mercados são guiados por medo e cobiça. Agora, é medo e medo”. Em outras palavras, em vez da alternância entre testosterona e hidrocortisona, há várias semanas é hidrocortisona e só. Na verdade, houve um passo intermediário —cobiça e mais cobiça, o período da bolha. Os enormes lucros injetavam testosterona extra nos operadores, o que os deixava muito confiantes e competitivos assumindo riscos cada vez maiores, até a derrocada. Agora, a presença prolongada da hidrocortisona torna-os irracionalmente temerosos e avessos ao risco.
O ex-operador John Coates, hoje pesquisador-sênior de neurociência e finanças na Universidade Cambridge, definiu isso em um estudo publicado com seu colega Joseph Herbert na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Medindo os níveis de esteróides em operadores da City londrina, eles demonstraram que os mais bem-sucedidos eram fortemente influenciados, nas fases prósperas, por um círculo virtuoso alimentando pela maior presença de testosterona.
É algo análogo, diz Coates, ao “efeito vencedor” entre os atletas homens, quando sucessivas vitórias vão elevando o nível de testosterona e criando uma vantagem para o competidor —até que este passe a cometer erros de avaliação e assuma riscos estúpidos. “A testosterona não cria bolhas, mas as exagera”, afirmou Coates. “Talvez as bolhas sejam um fenômeno masculino.”
Da mesma forma, quando os mercados despencam, os operadores se estressam pela incerteza e produzem muita hidrocortisona; caem então num círculo vicioso, que os deixa emotivos, prejudicando o raciocínio analítico. Por isso eles agora estão prolongando e aprofundando o tombo dos mercados e arrastando a economia consigo.
Embora Coates ainda não tenha estudado isso, ele acha “possível” que a competitividade provocada pela testosterona tenha induzido os bancos de investimentos a ficarem mais criativos —e ignorarem os riscos— na invenção de garantias financeiras arriscadas e complexas demais, para obter mais alavancagem e lucros.
Mas Jonathan Cohen, diretor do programa de neurociências da Universidade Princeton, hesitou em concordar. “Isso é intrigante, mas correlação não significa causalidade”, disse ele. “Essa é a primeira coisa que aprendemos em ciência.”
Mesmo assim, Bruce McEwen, chefe do laboratório de neuroendocrinologia da Universidade Rockefeller, achou o assunto “estimulante”. “Quem sabe o que outros hormônios estão fazendo?”, especulou. “Há muita coisa que não sabemos, porque as pessoas não pensam nos hormônios nesse contexto, mas é um aspecto que temos de considerar.”
Para McEwen, ainda é cedo para fazer recomendações às autoridades. Coates discorda e cita uma reportagem do “Financial Times” —“Islandesas vão arrumar bagunça masculina”—, que contava que a Islândia havia indicado duas mulheres para dirigir os bancos nacionalizados durante a quase-falência do país.
Mulheres, notou Coates, só têm 10% da testosterona dos homens; sua avaliação não é afetada por esse hormônio. Ele também suspeita que elas sejam menos propensas ao excesso de hidrocortisona. Seu conselho: “Mais mulheres e homens mais velhos nos pregões”.

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