São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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Onde os mutuários se afogam em dívidas

Por DAVID STREITFELD

MOUNTAIN HOUSE, Califórnia - Por causa da desvalorização dos imóveis, quase 90% dos mutuários habitacionais desta cidade devem mais do que o valor da sua casa, segundo cifras divulgadas neste mês. É a maior taxa nos Estados Unidos.
Em média, cada proprietário em Mountain House está “submerso”, como se diz, em US$ 122 mil. Uma visita ao local mostra como a crise habitacional americana contribui para uma ampla desaceleração da economia do país, já que as famílias estão cortando gastos para arcar com as altíssimas prestações do financiamento.
O empreiteiro Jerry Martinez e sua esposa, a contadora Marcie, estão entre os mutuários afetados em Mountain House. Afundados no cartão de crédito e vendo sua casa se desvalorizar a cada dia, eles estão aprendendo a impor restrições a si e aos três filhos, como cortar idas a restaurantes e cinemas.
“Ganhamos um bom salário, mas o pagamento da hipoteca consome uma quantia imensa”, disse Martinez, 33.
A First American CoreLogic, empresa de dados imobiliários, calcula que 7,6 milhões de imóveis nos EUA estavam “submersos” em 30 de setembro, e que outros 2,1 milhões estavam quase lá. Isso significa quase um quarto dos imóveis financiados. As 20 comunidades mais atingidas se concentram em quatro Estados: Califórnia, Flórida, Nevada e Arizona.
“Em geral as pessoas prestam pouquíssima atenção na sua participação proprietária sobre o imóvel, desde que consigam financiá-lo”, disse Mark Fleming, economista-chefe do banco First American. “Elas acham ruim que caia o valor da casa, mas estão com raízes fincadas.”
Em Mountain House, uma comunidade planejada, cerca de 100 km a leste de San Francisco, os cortes da família Martinez e de seus vizinhos se refletem num modesto aglomerado de lojas na vizinha Tracy.
Três delas estão fechadas e uma quarta está ocupada apenas temporariamente. “Até o primeiro semestre, as coisas estavam OK. Agora, não”, disse My Phan, dona de um salão de beleza, que estima ter perdido metade do seu faturamento. “As clientes dizem que não podem mais fazer as unhas.”
Na Cribs, Kids and Teens, Jason Heinemann também diz que o movimento caiu em 50% e que outubro foi seu pior mês desde a inauguração, em 2006. “Os avós são grandes compradores de móveis para crianças, mas como seus ‘401(k)’ [contas de previdência] estão perdendo US$ 10 mil a 20 mil por semana, eles não vêm mais.”
As primeiras casas de Mountain House foram vendidas em 2003, quando o “boom” imobiliário começava a dar sinais de esgotamento. O lugar atraía muita gente que aceitava o longo deslocamento diário até San Francisco em troca de mais espaço.
A família Martinez comprou sua casa no começo de 2005, por US$ 630 mil. Ela agora vale US$ 420 mil. O financiamento foi feito pela então popular modalidade “só juros”, que permitia ao mutuário suspender o pagamento do principal durante um período.
Mas esses empréstimos acabaram se tornando insustentáveis. Em 2015, disse Martinez, a prestação mensal será de US$ 12 mil. Ele riu e balançou a cabeça com o absurdo da coisa.
“É um círculo vicioso”, disse Martinez. A economia está rateando porque ele e milhões de outras pessoas deixaram de gastar. Isso foi fatal para o seu trabalho com reformas de casas neste ano e já ameaça também sua atividade como empreiteiro em obras comerciais.
Da sua loja, Chris e Janet Ackerson podem avaliar as dificuldades de Mountain House sem muito estresse.
Sua loja, filial da rede Vino 100, vai bem. As vendas não despencaram nos últimos meses, como ocorreu com tantos outros varejistas.
“Minha casa também está ‘submersa’, então não estou fazendo muitas compras por impulso nem qualquer reforma. Mas isto eu não vou cortar”, disse Ray Lopez, administrador de um banco de dados, ao colocar uma garrafa do vinho californiano petit syrah de US$ 24 sobre o balcão. “A vida é curta demais.”


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