São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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Inteligência/Robert Kuttner

Uma longa luta americana

Por que os EUA não conseguem resolver seu problema com os seguros-saúde? O país gasta 16,3% da sua renda nacional em saúde -quase o dobro de muitas nações ricas com cobertura universal-, mas não consegue oferecer seguro a cerca de 50 milhões de cidadãos. Aprovar uma reforma abrangente da saúde tem sido uma meta que escapa a reformistas nos EUA há mais de um século.
Os americanos têm uma ambivalência em relação ao governo. A nação surgiu, afinal, como um ato de revolução contra a coroa britânica. Há meio século, dois pesquisadores de opinião pública, chamados Free e Cantril, concluíram que o americano típico é um "conservador filosófico", mas um "liberal operacional". Os americanos gostam dos benefícios dos programas governamentais; só não gostam tanto do governo.
No recente debate sobre a reforma da saúde, os republicanos criticaram a ameaça do "seguro-saúde mantido pelo governo", mas também atacaram o presidente Barack Obama por possivelmente desviar dinheiro do Medicare -que é um seguro mantido pelo governo para os idosos. Como é possível ser a favor do seguro governamental e também contra ele? É fácil se você é um liberal operacional e um conservador filosófico.
O pendor libertário nacional está incrustado também nos mecanismos constitucionais dos EUA, o que dificulta aprovar leis e facilita barrá-las. Até um presidente como Obama, que tomou posse com um amplo mandato e aumentou as maiorias democratas no Congresso, tem de cortejar senadores, um de cada vez, para conseguir os 60 votos (de um total de 100) que as regras do Senado exigem quando uma minoria está determinada a obstruir um projeto. E então a Câmara e o Senado ainda têm de conciliar diferentes versões da lei.
O seguro-saúde representa um caso de dificuldade ímpar. Primeiro, cerca de 85% dos americanos em idade ativa e suas famílias recebem o seguro de seus empregadores, um sistema desenvolvido na Segunda Guerra Mundial, quando as empresas buscavam atrair funcionários para suas fábricas com fins bélicos. A esta altura, qualquer programa voltado para os restantes 15% corre o risco de alarmar a maioria.
A maioria, porém, está longe de ser complacente. A cada ano o seguro-saúde fica mais caro e menos confiável. Mas o projeto de Obama beneficiava principalmente pessoas sem seguro. Não melhorava muito a cobertura dos que já o possuem.
Um segundo obstáculo básico é que a maior parte da cobertura é administrada por empresas privadas e voltada para o lucro, um setor multitrilionário. Então qualquer mudança fundamental confronta um potente grupo de interesses. A oposição do setor de seguros já matou a tentativa de reforma do ex-presidente Bill Clinton em 1993.
Obama tentou construir uma aliança com as seguradoras. Seu plano ampliaria a cobertura para a maioria dos sem-seguro, mas por meio do setor privado. A estratégia, por sua vez, exigia que ele encontrasse US$ 1 trilhão ao longo de dez anos para subsidiar as seguradoras. Ele propôs tirar algum dinheiro do Medicare e cobrar impostos sobre ganhos dos cidadãos mais ricos. Isso, no entanto, só alienou muitos dos segurados.
O presidente poderia ter arrumado uma briga boa propondo um Medicare universal e tentando vender sua reforma da saúde como "o presidente e o povo contra o setor privado de seguros". Mas este presidente é, por natureza, um construtor de consensos. Neste caso, a estratégia saiu pela culatra. Seus críticos republicanos conseguiram pintar o conflito como sendo "o presidente e o setor contra o povo". O que poderia ser um triunfo político virou um empecilho político para os democratas.
A reforma da saúde já estava em apuros na hora em que um sério protesto eleitoral tomou forma na semana passada em Massachusetts, onde o republicano Scott Brown foi surpreendentemente eleito para o Senado, dando à oposição os 41 senadores necessários para obstruir o projeto se ele voltar a votação.
Obama ainda pode encontrar um caminho para aprovar este projeto no Congresso. Mas, com a sua própria popularidade e a do plano despencando, as consequências dos tropeços democratas podem ser duradouras.


Robert Kuttner é coeditor da "The American Prospect". Seu próximo livro se chama "A Presidency in Peril". Envie comentários para intelligence@nytimes.com



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