São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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China pune com rigor o uso de drogas


Detentos têm vida de trabalhos forçados e abusos físicos


Por ANDREW JACOBS
PEQUIM - Emocionalmente exausta após cuidar de sua mãe doente, Fu Lixin sentiu que precisava de uma pequena injeção de ânimo. Uma amiga lhe ofereceu um "cigarro especial", acrescido de metanfetamina, e Fu deu algumas tragadas, feliz.
No dia seguinte, três policiais apareceram em sua casa. "Tive de urinar em uma xícara", ela contou. "Minha amiga tinha sido presa e me delatara. Era um exame de drogas. Fui reprovada no ato."
Apesar de ter dito aos policiais que tinha sido a primeira vez que fumara metanfetamina, Fu, 41, foi enviada de imediato a um dos centros chineses de reabilitação forçada para dependentes de drogas. A estadia mínima nesses lugares é dois anos, e, segundo ex-detentos e profissionais do setor, a vida dos que ali ficam é uma provação implacável feita de abusos físicos e trabalhos forçados, sem qualquer tratamento contra a dependência de drogas. "Foi um inferno do qual ainda estou tentando me recuperar", disse Fu.
Segundo a ONU, há até meio milhão de cidadãos chineses mantidos à força nesses centros. As detenções são decididas pela polícia, sem julgamento, juiz ou possibilidade de apelação. Criados em 2008 como parte de um esforço reformista para fazer frente ao problema crescente das drogas, os centros, segundo advogados e especialistas no combate às drogas, viraram, na prática, colônias penais cujos detentos são enviados para fábricas e fazendas, recebem alimentação ruim e têm negado o acesso a atendimento médico, mesmo o mais básico.
"Dizem que são centros de desintoxicação, mas todo o mundo sabe que uma desintoxicação leva dias, não dois anos", disse Joseph Amon, epidemiologista da ONG Human Rights Watch. "O conceito fundamental é inumano e falho."
A ONG divulgou recentemente um relatório sobre o sistema de reabilitação de dependentes de drogas, que tomou o lugar da abordagem anterior do Partido Comunista de enviar os dependentes a campos de trabalhos forçados, onde trabalhavam ao lado de ladrões, prostitutas e dissidentes políticos. Intitulado "As trevas não têm limites", o relatório pede que o governo feche os centros.
A lei antidrogas chinesa de 2008 prevê que os usuários de drogas sejam internados em centros de desintoxicação com funcionários profissionais e transferidos a centros de reabilitação comunitários.
Mas Wang Xiaoguang, vice-diretor da Daytop, clínica residencial para drogadictos na Província de Yunnan e ligada aos EUA, disse que os centros do governo não passam de empreendimentos comerciais administrados pela polícia.
Han Wei, 38, viciado em processo de recuperação que foi libertado de um centro de detenção em Pequim em outubro, disse que os guardas usavam bastões elétricos contra os detentos recalcitrantes.
Apesar das agruras do centro, Han, ex-empresário, disse que sua sentença de dois anos alcançou o objetivo desejado: persuadi-lo a abrir mão de um hábito que adquiriu em 1998. "Nunca vou usar heroína de novo", disse.
Para Zhang Wenjun, diretor da Guiding Star, organização de assistência a dependentes, tal determinação costuma ser passageira. Pelo menos 98% dos que deixam o sistema de centros de detenção antidrogas apresentam recaídas em poucos anos, disse. "O governo não entende que essa é uma doença que requer tratamento, não castigo."
Ele explicou que, de algumas maneiras, o estigma da dependência tem efeito tão paralisante quanto a atração da próxima dose. As pessoas detidas por delitos ligados às drogas recebem o carimbo de dependentes em seus documentos de identidade, o que praticamente inviabiliza a procura por empregos ou os benefícios previdenciários.
E, como a polícia é notificada a cada vez que ex-detentos se hospedam em hotéis, viajar frequentemente envolve humilhações e a obrigação de fazer exames de urina. "Na China, ser viciado é ser inimigo do governo", disse Zhang.


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