São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Dinheiro e negócios

Rússia estoca seus diamantes em meio à crise

Por ANDREW E. KRAMER

MOSCOU - A recessão global enfraqueceu a demanda por todos os tipos de commodities -como aço e grãos-, mas aviões lotados com saquinhos de pano continuam abastecendo a estatal russa de diamantes.
Todos os dias, o conteúdo dos sacos é despejado nos funis da sala de recepção. Os diamantes são lavados e separados segundo seu tamanho, clareza, formato e qualidade; então, em vez de serem vendidos mundo afora, são embrulhados em papel e levados para um cofre -cerca de 3 milhões de quilates de pedras por mês.
"Cada um deles é excepcional demais", disse Irina Tkachuk, que vê milhares de diamantes por dia, já que é uma das centenas de pessoas, a maioria mulheres, empregadas na seleção das pedras. "Todos eles são bonitos demais."
Pode levar anos até que outra mulher admire essa pedra. Em parte devido à sua relutância em demitir funcionários, a Rússia neste ano superou a empresa De Beers como maior produtora mundial de diamantes. Mas o mercado global está tão ruim que a empresa Alrosa, que tem 90% de seu capital nas mãos do governo russo, não vende um só diamante bruto no mercado aberto desde dezembro. Em vez disso, os estoca.
Por causa disso, a Rússia se tornou o árbitro nos preços globais dos diamantes. Suas decisões a respeito de produção e venda irão determinar o valor nos próximos anos, o que é uma das consequências mais surpreendentes desta recessão.
Embora seja um grande produtor de matérias-primas, a Rússia tradicionalmente não adere a políticas que mantêm os preços artificialmente elevados. O país se beneficia, por exemplo, dos cortes de produção do cartel de petróleo, mas não participa deles.
Uma exceção são os diamantes. "Se você não sustenta o preço, um diamante se torna um mero pedaço de carbono", disse Andrei Poliakov, porta-voz da Alrosa.
Numa tentativa de calibrar cuidadosamente sua volta ao mercado global, sem rebaixar ainda mais os preços, a Rússia confia em duas coisas: o precioso depósito de gemas da era soviética -criado para manter as joias confiscadas da aristocracia depois da revolução de 1917- e os investidores capitalistas, os quais a Alrosa espera que comprem diamantes como um investimento, assim como o ouro.
Até o ano passado, a De Beers produzia cerca de 40% da oferta global de pedras brutas, e a Alrosa ficava com 25%. Mas a De Beers, proibida de estocar por um acordo antitruste da União Europeia, fechou minas. A Rússia reluta em fazê-lo, já que as autoridades se preocupam com eventuais reações dos desempregados. No primeiro trimestre, a De Beers reduziu sua oferta em 91% em comparação ao ano anterior. As mineradoras diversificadas Rio Tinto e BHP Billiton também restringiram a produção.
Enquanto isso, o mercado atacadista para diamantes lapidados, que movimenta cerca de US$ 21,5 bilhões, deve cair para cerca de US$ 12 bilhões em 2009, segundo o Polished Prices, serviço de análise para o setor. A Rússia historicamente manteve-se discreta nesse mercado. Mas, depois do colapso da União Soviética, o setor diamantífero russo criou uma aliança formal com a De Beers, vendendo à empresa sul-africana metade da produção de cada ano, com um desconto destinado a subsidiar a propaganda genérica de diamantes feita na década de 1990 pela De Beers, principalmente nos EUA.
Agora, os russos estão no controle.
A Alrosa buscas estimular a demanda vendendo gemas sob contratos de longo prazo para atacadistas na Bélgica, em Israel, na Índia e em outros lugares. Ela também está trabalhando com um banco moscovita de investimentos, o Leader, para comercializar diamantes para investidores. Sob esse plano, os investidores comprariam diamantes, mas as gemas só seriam liberadas para os joalheiros anos depois.
Na unidade da Alrosa que recebe diamantes, chamada Organização Unida de Vendas, Elena Kapustkina seleciona cerca de 45 mil quilates de diamantes por dia. "É só um emprego", disse ela. Quando questionada se os diamantes haviam perdido a aura romântica para ela, Kapustkina corou. Na verdade, contou, seu marido, um caminhoneiro, lhe deu um anel de meio quilate há 22 anos. "É claro que eu o adoro", afirmou. "Veio do meu marido."


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