São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Iogue quer "curar" corpo político indiano

Por LYDIA POLGREEN
HARIDWAR, Índia - O sol ainda repousava bem abaixo do horizonte, mas Swami Ramdev já estava de pé fazia horas. Enrolado numa tanga alaranjada, assistido por algumas centenas de devotos em Haridwar, cidade sagrada à beira do rio Ganges, e por dezenas de milhões pela TV, ele fazia uma rápida série de posições de ioga.
"Se você suar tanto de manhã, nunca vai ficar velho", gritava. Seu próprio corpo de cinquentão, passando de forma suave e flexível de uma posição para outra, ilustrava essa afirmação.
Sem perder o fôlego, Swami Ramdev, que, como um dos mais populares e influentes gurus da Índia, reintroduziu a ioga para as massas do país, enveredou para a sua mais recente paixão: a política. "Limpamos os nossos corpos", gritou ele. "Então iremos limpar a nossa democracia!"
Swami Ramdev pretende fazer pelo corpo político aquilo que ele já faz pelos alquebrados físicos do país: colocá-lo em forma. Ele anunciou recentemente que irá fundar um partido político para apresentar candidatos a cada uma das 543 vagas parlamentares na próxima eleição geral da Índia, em 2014.
"O que as pessoas precisam é de uma liderança honesta, brava e responsável", disse ele numa entrevista no amplo campus do seu crescente império de ioga, alimentação natural e medicina no norte da Índia.
O sistema político indiano está assolado pela corrupção e por profundas divisões entre religiões e castas, disse ele. Aproveitar a antiga sabedoria indiana, que deu origem à ioga, e textos sagrados como os Vedas e Upanishads são a única forma de extirpar esses tumores, argumentou ele. "Temos de ter uma revolução total", afirmou.
De certa forma, Swami Ramdev lembra os primeiros líderes da Índia, com uma mensagem de autossuficiência, orgulho nacional e valores indianos tradicionais. Mas, com seu império da ioga e suas legiões de seguidores na TV e na internet, ele é também um produto e um símbolo da nova Índia. Ramdev diz que a Índia dependeu demais do sistema de governo herdado dos colonizadores britânicos e perdeu os modelos tradicionais de governo que predominaram durante séculos.
"Os britânicos não faziam políticas para tornar o país mais forte", disse ele. "Eles as faziam para extrair o máximo de recursos [da Índia]."
Empresas multinacionais não devem ter lugar na Índia, argumenta ele. O país deveria estar impregnado da sua própria cultura. "Sejam indianos", exortou ele aos seus seguidores numa recente manhã. "Falem línguas indianas, vistam roupas indianas, bebam bebidas indianas."
Tudo que é estrangeiro, argumenta ele, como a Coca-Cola e os hambúrgueres, polui e enfraquece o espírito indiano. A Organização Mundial da Saúde é um alvo favorito, uma "grande conspiração" inventada, diz ele, por companhias farmacêuticas americanas. Até o críquete, paixão nacional na Índia, acaba sendo criticado, por ser uma importação britânica que estimula o consumo de álcool e o exibicionismo provocante das "cheerleaders".
Ele próprio, segundo disse, não pretende concorrer a nada, e suas propostas políticas são uma total mistura. Ele quer combater a corrupção, tornando-a punível com a pena de morte, e obrigar que bilhões de dólares mantidos clandestinamente fora da Índia sejam repatriados para investimentos no país.
"Esse saque precisa vir para casa para o desenvolvimento", disse ele, sem dar detalhes de como faria isso acontecer. "Esse dinheiro vai mudar a vida de todo o país."
Essas opiniões encontram ressonância junto a seus seguidores, muitos dos quais da sofrida classe média baixa indiana, dividida entre as tradições e a sedução da vida moderna.
"Estamos muito frustrados com a política da Índia atualmente", disse Jitender Pratap Singh, professor que foi a uma sessão de ioga ministrada por Swami Ramdev. Na última eleição, ele votou no partido nacionalista hindu Bharatiya Janata, mas está interessado em aderir ao partido do guru.
"Eu quero mudança para a próxima geração", disse ele. "A ioga pode resgatar a Índia." Alguns líderes religiosos locais ficam contentes em ver Swami Ramdev se arriscando na política. Digambar Jitender Puri, 36, um "sadhu" (homem santo) que recentemente participava do festival Kumbh Mela às margens do Ganges, disse acreditar que Ramdev está fazendo um trabalho importante.
"Ele está pensando na direção certa e falando dos problemas da nação, como corrupção, pobreza e economia", disse Jitender. "Acho que ele terá sucesso."
Mas outros homens santos foram mais céticos. "Ramdev é um iogue bem-sucedido, mas a política irá perfurá-lo", disse Sri Nityanand Puri. "Deus lhe deu alguns dons, mas seu ego vai acabar com ele."
Para esse religioso, o alvoroço da política não é lugar para homens santos. "Ele acha que pode consertar tudo o que está errado", disse Nityanand. "Ele será consumido pela sujeira da política."


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