São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2010

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Guerra dos cartéis provoca êxodo mexicano

Por JAMES C. McKINLEY Jr.
FORT HANCOCK, Texas - A gigantesca cerca enferrujada ao longo da fronteira com o México em Fort Hancock, construída há poucos anos para impedir a entrada de imigrantes irregulares nos EUA, tem um novo apelido entre os locais: Portão do Parque dos Dinossauros, numa alusão à barreira em um parque temático que mantinha esses perigosos animais isolados no filme de 1993.
No outro lado, uma brutal guerra entre quadrilhas de traficantes obriga dezenas de famílias da localidade de El Porvenir a ir até a fronteira solicitar asilo político, e muitos outros mexicanos usam vistos especiais de fronteira para fugir para os EUA. Eles dizem que os traficantes devastaram sua cidade, queimando casas e matando gente nas ruas.
Os americanos estão acolhendo seus parentes mexicanos, e as escolas locais ficaram cheias de crianças traumatizadas, muitas delas testemunhas da violência, segundo funcionários escolares.
"Está bem difícil por aqui", disse Vicente Burciaga, 23, que fugiu em março de El Porvenir com sua mulher e seu filho pequeno, depois de bandidos terem queimado cinco casas no seu bairro e matado um vizinho. "Eles estão matando gente lá que não tem nada a ver com o narcotráfico. Eles matam só para que vejam o que estão fazendo."
O caso de Fort Hancock, cerca de 90 km a sudeste de El Paso (Texas), ecoa por toda a fronteira texana com o México, ao longo do rio Grande. Conforme a guerra entre os cartéis foge ao controle no México, mais cidadãos mexicanos buscam refúgio nos EUA.
O afluxo perturba a rotina pacífica de Fort Hancock, cidade com cerca de 2.000 habitantes. Hoje em dia, há mais carros de polícia rondando nas ruas empoeiradas, e o medo é grande entre os moradores locais.
Algumas crianças entre os refugiados pertencem a famílias envolvidas no tráfico de drogas, e membros de gangues rivais já as ameaçaram, trazendo para dentro das escolas o espectro dos assassinatos entre quadrilhas, segundo as autoridades. "Algumas das famílias que estão fugindo do México o fazem porque estavam de alguma forma participando desses atos", disse o superintendente escolar José Franco. "E, se você quer atingir alguém, atinge seus filhos."
As autoridades policiais do condado e do Estado estão atentas a veículos desconhecidos estacionados perto de escolas. O distrito escolar contratou um agente para patrulhar seus três campi e instalou câmeras de segurança.
Nem todos que chegam de El Porvenir buscam asilo. Muitos mexicanos de cidades à beira do rio Grande têm vistos de fronteira, o que lhes permite ficar até 30 dias fazendo negócios e compras perto da fronteira. Mas alguns usam esses vistos para realocar suas famílias temporariamente no Texas.
Quem tem visto temporário de turismo, ou pode obter visto de negócios por ter dinheiro suficiente para abrir uma empresa nos EUA, também está se transferindo para o outro lado.
Só em El Paso (Texas), a polícia estima que pelo menos 30 mil mexicanos tenham cruzado a fronteira nos últimos dois anos por causa da violência. Tanta gente deixou El Porvenir e a vizinha Guadalupe Bravos que as duas parecem cidades fantasmas, segundo ex-moradores.
Quem não tem acesso a vistos pede asilo, mesmo sob o risco de passar meses detido. Poucos mexicanos, no entanto, obtêm asilo. Nos três últimos anos fiscais, juízes de imigração dos EUA receberam 9.317 solicitações em todo o país e concederam apenas 183.
Em Fort Hancock, o afluxo cresceu depois que uma quadrilha estendeu um cartaz na praça central de El Porvenir ameaçando matar quem deixasse a cidade na Páscoa. Em resposta, as autoridades inundaram a cidade com policiais federais, e a prometida barbárie não se concretizou.
Uma mulher de 23 anos, mãe de cinco filhos, que com medo de represálias pediu para ser identificada apenas como Noemi, cruzou a ponte sobre o rio Grande na quinta-feira prévia à Páscoa. Na noite anterior, bandidos haviam incendiado quatro casas.
Agentes alfandegários dos EUA enviaram a família para El Paso, onde, após uma noite na prisão, Noemi e seus filhos puderam entrar no país, à espera de uma audiência de asilo. O marido dela, trabalhador rural, continua detido enquanto as autoridades avaliam sua alegação de que está em perigo. Noemi permanece com a sogra, que tem residência legal, em uma esquálida casa-trailer.
Seu filho mais velho, de oito anos, se agarrou à manga dela e se recusou a falar. As três meninas, de quatro, dois e um ano, brincavam aos seus pés ou trepavam numa caminhonete enferrujada. No colo, Noemi segurava um bebê de sete meses. "Todas as crianças, a única coisa de que elas sabem brincar é de 'sicários' [pistoleiros]", disse ela. "Eles matam só por você ter visto o que eles estão fazendo."


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