São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2010

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SAÚDE & BOA FORMA

Médicos disputam tratamento de bailarina haitiana

Por DEBORAH SONTAG
PORTO PRÍNCIPE, Haiti - Fabienne Jean, bailarina profissional que perdeu a perna direita no terremoto de 12 de janeiro, saltitava sobre a perna esquerda pelo empoeirado Hospital Geral de Porto Príncipe a caminho de um exame muito importante. Na clínica de radiografia, Jean, 31, deitou-se na mesa de exame. O técnico posicionou seu membro amputado para o raio-X que seria enviado a Nova York, aonde, se tudo desse certo, Jean também iria.
"Talvez minha sorte esteja mudando para melhor", ela disse naquele dia, mais de dois meses depois de ter escapado de uma infecção mortal ao concordar, relutantemente, com a amputação.
Mas, então, começou um cabo de guerra entre dois provedores de tratamentos de saúde sobre quem reabilitaria Jean.
Seria o grande hospital de Nova York cujo diretor de atendimento ajudou a salvar a vida dela? Seria a pequena empresa de próteses da Nova Inglaterra (EUA) cuja fundação tem trabalhado desde então para fazê-la andar? Ou as duas organizações encontrariam uma maneira de colaborar?
Jean, que apareceu em uma reportagem do "New York Times" em fevereiro, foi escolhida para oportunidades especiais devido ao acaso, à atenção da mídia e a seu potencial como símbolo da resistência haitiana.
O hospital de Nova York, o Centro Médico Mount Sinai, quer dar continuidade ao trabalho de sua equipe de socorro no Haiti oferecendo a Jean uma cirurgia corretiva e reabilitação nos EUA. A Fundação da Companhia de Aparelhos Ortopédicos da Nova Inglaterra, por outro lado, acredita que Jean pode e deve ser tratada no Haiti. Com seus protéticos sendo preparados para voar para Porto Príncipe para lhe dar uma nova perna provisória, o grupo de New Hampshire não quer perdê-la como paciente. A fundação pretende que Jean a ajude a angariar fundos e considerou transformá-la em sua porta-voz.
Para Jean, bailarina do Teatro Nacional do Haiti, a tragédia se transformou em oportunidade de uma forma atordoante. No terremoto, uma parede de pedra caiu sobre sua perna. Durante dias ela ficou deitada em meio a um mar de corpos destroçados no terreno do Hospital Geral, aonde Ernest Benjamin, diretor de atendimento crítico do Mount Sinai, chegou com uma equipe médica.
Jean pediu a Benjamin, que nasceu no Haiti, que salvasse sua perna. Mas era tarde demais. Pouco tempo depois da amputação, o Hospital Geral transferiu Jean para uma clínica nos arredores de Porto Príncipe.
Foi então que Benjamin perdeu o rastro dela -e que Dennis Acton, do grupo de New Hampshire, a encontrou em um lugar que ele descreveu como uma espécie de "abrigo decrépito para amputados". Comovido, Acton prometeu ajudar Jean a caminhar e dançar de novo. "Fabienne tem uma ótima atitude", ele disse. "Eu imaginei que ela seria uma paciente forte, que conseguiria se levantar rapidamente e servir de modelo para outros amputados."
Ao mesmo tempo, Benjamin, encontrando Jean novamente por meio da reportagem do "Times", propôs que o Mount Sinai a levasse para os EUA para continuar seu tratamento. Ao saber da iniciativa do Mount Sinai, Acton ficou inicialmente aborrecido porque havia sido aconselhado por especialistas em deficiências de Porto Príncipe que suas diretrizes pedem que os haitianos sejam tratados no Haiti. Os médicos do Mount Sinai dizem que Jean precisa de outra cirurgia antes da reabilitação. Embora Jean possa conseguir essa cirurgia no Haiti, os recursos são escassos, e o Mount Sinai lhe oferece tratamento médico e reabilitação de "classe internacional", segundo Benjamin.
Após considerar isso, Acton concordou hesitantemente que ir para Nova York talvez seja mais interessante para Jean. Ele disse por e-mail em março que inicialmente esteve na "defensiva (talvez um pouco enciumado?)", mas que "Fabienne nunca terá o tratamento de que precisa no Haiti".
Afinal, o Mount Sinai decidiu continuar pedido permissão para que Jean entre nos EUA. Separadamente, Acton se preparava para viajar ao Haiti com a nova perna. E no meio, Jean, feliz mas estressada, não quer tomar uma posição. Mas quer ir a Nova York para o tratamento, se possível. Ela disse em crioulo: "Eu quero! Eu quero! Eu quero!".


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