São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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ARTE & ESTILO

Mesclando identidades

HOLLAND COTTER
ENSAIO

O Museu de Arte Moderna de Nova York nunca soube direito o que fazer com Willem de Kooning. O artista, que pintou abstrações opulentas e grandes senhoras desalinhadas, resiste a uma rotulação fácil. Por isso o museu de modo geral o negligenciou, até agora.
"De Kooning: Uma retrospectiva", com cerca de 200 pinturas, desenhos e esculturas ocupando um andar inteiro, é exaustiva e inspira admiração. Ela deixa De Kooning ser complicado: apresenta sua arte como um fenômeno bifurcado mas unitário.
São sete décadas de trabalho. Vemos pinturas abstratas e figurativas aproximadamente da mesma data, não apenas lado a lado, mas também interagindo, fundindo suas identidades.
A mostra, que vai até 9 de janeiro, começa com uma natureza-morta que De Kooning pintou aos 12 anos em sua cidade natal, Roterdã, na Holanda.
Seu trabalho em uma empresa de desenho comercial revelou-se útil quando ele procurou emprego nos EUA em 1926, depois de viajar em um cargueiro. Seu estudo de desenho acabou sendo a base de seu trabalho artístico.
Nas duas primeiras partes da exposição, que nos levam até 1949, o vemos deglutindo imagens de Ingres, Rubens, Soutine e Picasso; de contemporâneos como Arshile Gorky; e de anúncios de cinema, quadrinhos e gráficos.
De Kooning queria espremer tudo na arte: alto, baixo; velho, novo; selvageria, graça.
E foi o que fez, de uma maneira montada, empilhada, cheia de revisões. Mas cada pintura era um experimento controlado.
Ele começava com um desenho, acrescentava tinta, desenhava sobre a tinta, raspava a superfície, desenhava mais imagens, acrescentava tinta e assim por diante. Virtualmente nunca parava de trabalhar.
A dinâmica básica da arte de De Kooning atua em microcosmo em quase tudo o que ele fez após meados dos anos 1940.
O final dessa década foi quando ele primeiro se incendiou, quando abstrações e figuras se fundiram. Essa é a história de "Anjos Cor-de-Rosa", de cerca de 1945, em sua primeira série dedicada a imagens de mulheres. De pintura em pintura, a figura posada torna-se menos naturalista.
Em "Anjos Cor-de-Rosa" as figuras perderam as roupas e os rostos e se tornaram monstruosamente voluptuosas, quase pedaços de carne humana cortada.
Como pode ser belo é difícil dizer, mas é. De Kooning certa vez observou que "a carne é o motivo pelo qual a pintura a óleo foi inventada". A consciência dos pintores holandeses do século 17 era forte nele.
O trabalho que o colocou no mapa do mundo da arte não tem figuras, ou nenhuma facilmente identificável. Sua primeira exposição individual em Nova York em 1948, quando ele tinha 43 anos, foi formada por pinturas quase sem imagens. Algumas eram feitas basicamente em preto e branco, com tinta branca retorcida como rachaduras em vidro partido.
A exposição foi um sucesso. A paleta reduzida, que muitos outros artistas adotariam, foi tomada como sinal de seriedade existencial. De Kooning de repente se encontrou no centro de um novo modernismo americano.
Ele poderia ter ficado dentro desses limites. Mas em 1953, com sua terceira série "Mulher", os quadros eram tão ultrajantes que o mundo da arte prestou atenção. Esses corpos dilacerados e equinos causaram comoção.
Acusações de misoginia começaram a surgir, embora o principal pecado de De Kooning fosse sua deserção do programa de vanguarda.
Olhando para as obras hoje, podemos captar ligações conceituais com o mais radical dos artistas marginais, Marcel Duchamp. E podemos ver como a abstração e a figuração se entrelaçavam na arte de De Kooning nessa época.
Sua produção durante os anos 1950 dá uma sensação de ser feita sob pressão. As superfícies em pinturas como "Gotham News" (1955) são feias, grossas e perturbadas. As cores são caóticas. Tudo parece frenético e barulhento.
Então, no final dos anos 50, De Kooning começou a passar algum tempo fora da cidade de Nova York. Mudou-se para Long Island, a leste de Manhattan, em 1963. "Madrugada de Dedos Róseos em Louse Point", com suas referências a Homero, data desse ano. O quadro possui uma alegria não vista em sua arte até então.
A calma não durou. Mulheres mais ondulantes e abertas chegaram. Assim como esculturas: figuras de bronze confusas e amorfas. A impressão deixada nesta parte da exposição é de uma distração prolixa.
Então nos anos 80 há apenas três cores, as básicas de Mondrian -vermelho, amarelo e azul- em tiras finas sobre amplos campos de branco puro.
De Kooning já dava sinais da doença de Alzheimer, que estava bem avançada em 1987, ano da última pintura da mostra. Quando sua obra tardia apareceu no MoMA em 1997, ano em que ele morreu, alguns a consideraram um subproduto da patologia.


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