São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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Blues do deserto, gravado no local

Por LARRY ROHTER

No dialeto dos nômades tuaregues que durante séculos vagaram pelas vastidões mais remotas do sul do Saara, "tinariwen" significa "desertos". Desde que o grupo musical que leva esse nome lançou seu primeiro CD, em 2001, seus membros gravaram não apenas em seu país, mas também em estúdios de cidades como Paris e Bamako, no Mali.
O Tinariwen, cuja música é uma espécie de rock híbrido de estilos berberes, árabes, ocidentais e africanos, tentou voltar a suas origens no álbum "Tassili". Batizado com o nome de uma área espetacular de cânions e arcos de rocha calcária perto da fronteira da Argélia com a Líbia, o CD foi ensaiado e gravado ao ar livre lá, em tendas e ao redor de fogueiras semelhantes àquelas onde os membros fundadores do grupo, exilados políticos que viviam em assentamentos de refugiados, se reuniam para tocar na época.
"Quisemos voltar a nossas origens, à experiência do ishumar", que significa exílio ou vagar, explicou Eyadou ag Leche, o baixista da banda. "Foram momentos em que nos sentamos ao redor de uma fogueira cantando e passando o violão um para o outro. Tinariwen nasceu nesse momento, nessa atmosfera, então o que você ouve em 'Tassili' é o sentimento de ishumar."
O Tinariwen foi fundado ao redor de 1979 pelo cantor e guitarrista Ibrahim ag Alhabib, que nasceu no Mali mas fugiu do país quando criança depois que seu pai foi sequestrado e morto por forças do governo que tentavam deter uma rebelião tuaregue.
Hoje com 51 anos, Alhabib morou na Argélia, no Níger e na Líbia, onde integrou um Exército tuaregue apoiado pelo coronel Muammar Gaddafi; lá sua habilidade para compor canções sobre a luta dos tuaregues, viajando de um país para outro mas sem pertencer a nenhum, fez dele uma das principais vozes do movimento de resistência.
Na última década, o Tinariwen ganhou seguidores entre músicos pop e plateias americanas e europeias que procuram autenticidade na música e na atitude. A música da banda foi chamada às vezes de "blues do deserto", e a tendência do grupo para compor em tons menores certamente cria um som com uma sensação de blues. Mas os membros da banda preferem falar em "asuf", um sentimento de sua própria cultura e da língua tamashek, que descreve ao mesmo tempo uma sensação de dor espiritual, anseio ou nostalgia, e o vazio do próprio deserto. Isso, eles reconhecem, cria um certo parentesco com o blues do Mississípi e de Chicago.
"Disseram-me que muitos africanos que foram para a América do Norte vieram da África Ocidental, de nossa parte do mundo, por isso é a mesma conexão", explicou Leche. "Acho que qualquer pessoa que viveu uma coisa que é muito dura sente esta dor, esta asuf, esta saudade. É isso que fará sua música ter som parecido com outra."
Para a gravação de "Tassili", centenas de quilos de equipamento tiveram de ser carregados para um cânion no fundo do deserto e acionados por um gerador colocado a cerca de 140 metros da tenda principal, a fim de eliminar o ruído da gravação. "Esta música precisa de espaço, precisa ser selvagem e livre", disse Ian Brennan, o produtor americano do CD.
"Você pensa diferente quando há paredes à sua volta", afirmou Leche. "Em um estúdio ou na cidade você precisa comer a uma certa hora e seguir uma agenda. No deserto a liberdade é total. Você faz o que quiser quando quiser. Quando estamos no palco você pode nos ver, estamos lá. Mas nossas cabeças estão em outro lugar. Estamos em casa."


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