São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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NOSSA FORMA DE COMER

Cidade japonesa luta para salvar atuns

Por MARTIN FACKLER
OMA, Japão - Os pescadores dessa cidade a chamam de "ouro negro". É a carne vermelha escura do atum-azul do Pacífico, tão valorizado no Japão que um único desses peixes, que chegam a pesar 450 quilos, pode valer dezenas de milhares de dólares.
As águas frias da região antigamente eram tão abundantes em atuns-azuis, com espessas camadas de gordura saborosa, que o pequeno porto marítimo de Oma se tornou praticamente sinônimo de um dos alimentos mais apreciados de seu país.
Tão grande é a atração exercida pelos atuns de Oma que, durante a temporada de pesca de outono, dezenas de milhares de visitantes se reúnem na cidade pesqueira, situada no extremo norte de Honshu, a ilha principal do Japão. Em um domingo recente, dezenas de turistas se amontoaram num velho depósito refrigerado no píer, onde o prefeito de Oma comandou uma cerimônia de fatiamento de um atum-azul de cem quilos, que foi dividido em pedaços do tamanho de tijolos, para então ser vendido.
"Este é um prazer que só se pode desfrutar algumas vezes na vida", disse a dona de casa Toshiko Maki, 51, enquanto punha na boca um quadrado de sashimi vermelho.
Mas o número de atuns vem caindo vertiginosamente nos últimos anos, devido à sobrepesca. Esse fato deu a Oma outra distinção, esta menos divulgada: a de a comunidade que se destacou por defender uma regulamentação maior da pesca, num país que vem se opondo aos esforços globais para proteger as populações de atum, que estão sendo dizimadas.
Os pescadores de Oma dizem que, dez anos atrás, cada barco da cidade costumava pescar três ou quatro atuns por dia. Hoje, a frota inteira da cidade, formada por 30 a 40 embarcações pesqueiras, pode se considerar com sorte se conseguir pescar meia dúzia de atuns em uma jornada de trabalho.
O problema, dizem os pescadores, é que os peixes estão sendo capturados por grandes traineiras vindas de outras partes do Japão ou de mais longe, da China ou de Taiwan. Alguns desses navios chegam a usar helicópteros para localizar cardumes de atuns, que capturam em redes imensas ou pescam em massa com linhas compridas de ganchos com iscas. Os jornais locais relatam incidentes repetidos de pequenos barcos pesqueiros de Oma e de outros portos, que intencionalmente cortam as linhas de pesca dessas traineiras. "Estou furioso com os burocratas de Tóquio, que não protegem nossos atuns", disse Hirofumi Hamahata, 69, presidente da cooperativa de pescadores de Oma. "Eles não fazem nada para combater a pesca em escala industrial, que varre o oceano."
Manifestações de revolta como essas são raras no Japão, onde normalmente domina a reserva, especialmente nas conservadoras comunidades pesqueiras. Mas Oma se orgulha não apenas de seus atuns, mas do modo como os pesca: em barcos abertos tripulados por dois homens, que seguram as linhas de pesca nas mãos e usam iscas vivas, como lulas.
Hamahata descreveu a captura dos atuns desse modo tradicional como uma batalha de inteligência contra um predador astuto que ele chama de "o leão do mar". Depois de fisgar um atum, a batalha vira uma disputa de força. Segundo Hamahata, os pescadores normalmente levam uma ou duas horas para puxar um atum grande para perto do barco, para que possa ser nocauteado com uma carga elétrica. Ele contou que, em uma dessas batalhas, passou 12 horas lutando contra um atum-azul enorme, que acabou por se libertar da linha.
Apesar dessas dificuldades, os pescadores de Oma dizem preferir seu método de pesca tradicional, porque lhes permite capturar apenas peixes adultos, grandes, deixando os menores e mais jovens para garantir a continuidade das populações de peixe locais.
Oma cadastrou seu nome como marca registrada, que só pode ser usada para atuns pescados na cidade. Com isso, a cidade virou uma marca reconhecida até fora do Japão. Em março, um sushi chef de Hong Kong pagou US$ 50 mil por metade de um atum-azul de 127 kg de Oma. E os preços podem subir ainda mais. Em 2001, um comprador japonês pagou o recorde de US$ 220 mil por um atum-azul de 201 kg pescado em Oma.
O prefeito da cidade, Mitsuharu Kanazawa, lamentou um dos efeitos colaterais disso: o fato de que poucos dos 6.200 habitantes de Oma tenham hoje condições de comer o atum pescado na cidade. Mas o atum beneficia a economia local, garantindo a ela cerca de US$ 15 milhões por ano vindos da pesca e do turismo.
A Prefeitura incentivou o turismo com a criação de uma festa do atum, durante três dias em outubro de cada ano. Segundo Kanazawa, a festa recebe 15 mil visitantes por dia.
Mas, com o atum sob risco de extinção, o prefeito disse que Oma está tentando encontrar outros atrativos aos turistas. "Tentamos com algas marinhas e abalones, mas nada atrai as pessoas tanto quanto o atum", disse Kanazawa.

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