São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Albânia tenta reprimir tráfico sexual

Por DAN BILEFSKY

VLORE, Albânia - Só depois que o traficante tapou sua boca com fita isolante, drogou-a e ameaçou matar sua família, a mulher, hoje com 27 anos, percebeu que o homem com quem planejava se casar a havia seduzido com uma terrível mentira. Sua jornada, aos 18 anos, entre uma aldeia albanesa e um bordel londrino, onde ela disse ter passado cinco anos como prostituta, começou com uma aliança de ouro de noivado, a promessa de uma vida melhor no exterior e, como muitas antes dela, uma viagem noturna de lancha para a Itália.
Tantas mulheres, homens e crianças foram traficados ao exterior para a prostituição, os trabalhos forçados e a mendicância que, há três anos, o governo albanês proibiu todos os cidadãos locais de usar lanchas, meio de transporte favorito dos traficantes. Essa medida, junto com o endurecimento dos controles fronteiriços e assassinatos de traficantes por parentes vingativos de vítimas, reduziu o tráfico a menos da metade e praticamente acabou com o papel da Albânia como importante ponto de passagem para pessoas traficadas para a Europa Ocidental, segundo especialistas.
Mas a proibição das lanchas provocou protestos de pescadores e do setor turístico, e, em maio, a medida foi revertida. Autoridades temem que, por isso, o tráfico humano exploda novamente -e num momento especialmente difícil. A crise econômica, segundo muitos especialistas, pode provocar um aumento no tráfico humano no mundo. Relatório de junho do Departamento de Estado dos EUA alerta que a crise provoca "um encolhimento na demanda pelo trabalho e uma crescente oferta de trabalhadores dispostos a assumirem riscos cada vez maiores por oportunidades econômicas".
No caso da Albânia, um país pobre dos Bálcãs que aderiu em abril à Otan (aliança militar ocidental) e quer participar da União Europeia, a capacidade do governo em combater o tráfico é considerada um teste crucial. O Departamento de Estado dos EUA disse que em 2008, mesmo com a proibição das lanchas em vigor, a Albânia não atingia "os padrões mínimos para a eliminação do tráfico", embora tenha feito "esforços significativos para tanto". O relatório dizia que a corrupção continua disseminada.
Em junho de 2007, o Ministério do Interior do país prendeu 12 policiais acusados de três casos de tráfico humano, sendo que seis dos agentes tinham responsabilidade direta pela repressão ao tráfico. As autoridades albanesas dizem que muitas vezes falta ajuda de outros países na obtenção de provas para condenar traficantes. No ano passado, 22 casos de tráfico foram levados à Justiça, segundo o relatório do Departamento de Estado, menos da metade do número de 2007.
Brikena Puka, diretora-executiva da ONG Vatra, que auxilia vítimas do tráfico, disse que os processos são escassos em parte porque muitas vítimas estão sendo julgadas por prostituição. Em alguns casos, as mulheres são presas depois de serem deportadas de outros países. "Mulheres traficadas estão sendo vitimizadas duas vezes", disse. "Primeiro pelos traficantes; depois, pelo Judiciário albanês."
Iva Zajmi, coordenadora de combate ao tráfico no Ministério do Interior, salientou que, pelo fato de a prostituição ser legal ou tolerada em países como Bélgica, Alemanha e Holanda, muitas mulheres traficadas não eram identificadas como vítimas nesses países. "A legalização da prostituição criou um muro por trás do qual os traficantes podem se esconder e reprimir as vítimas", disse ela.
O tráfico se arraigou na Albânia em 1991, após a queda do regime comunista, e durante quase dez anos os traficantes agiram impunes. Em 2004, o governo criou tribunais para julgar casos de tráfico e sancionou leis duras contra a prática, com penas de até 15 anos de prisão para os traficantes.
Mas especialistas em direitos humanos afirmam que os processos ainda são raros, em parte porque muitas vítimas temem testemunhar. Mulheres traficadas que foram entrevistadas dizem que é difícil escapar de seus captores, que são parte de uma rede internacional organizada. A vítima de tráfico que contou sua história, e que não deu seu nome por medo de represália, conseguiu proteção policial depois de uma longa luta para escapar de seu traficante e acabou decidindo prestar queixa contra ele.
A ex-prostituta tem de viver sob constante vigilância policial, num abrigo de segurança máxima de onde não sai há três anos. Seu traficante passou apenas um mês na prisão. "Você espera que seu próprio país proteja seus cidadãos", disse a mulher. "Você espera que as leis não transformem a vítima em criminoso. Fora da Albânia, eu estava sozinha, mas aqui estou no meu próprio país, e ainda estou sendo abusada."


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