São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2011

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A conexão entre humanos e animais

Os animais capazes de nos olhar de volta são especiais

Por NATALIE ANGIER

A história de amor dos humanos com os animais é longa, complexa e cheia de caprichos. Os animais são nossos melhores amigos e nossas almas gêmeas, mas são também nossos experimentos de laboratório e nossa comida. Amamos animais, mas sacrificamos milhões de cães e gatos abandonados todos os anos. Gastamos bilhões de dólares por ano com nossos animais de estimação e outros bilhões com proteção de animais e causas conservacionistas, mas esse valor torna-se pequeno quando comparado aos bilhões gastos com carne e caça e aos outros bilhões dedicados à erradicação de animais considerados pragas.
"Somos seletivos em relação aos animais que amamos; mesmo os que adoramos vivem à nossa disposição e são submetidos a crueldades", disse Alexandra Horowitz, professora de psicologia no Barnard College, em Nova York. Horowitz, autora do livro "Cabeça de Cachorro", e pesquisadores vêm prestando atenção estreita ao vínculo entre humanos e animais, área de estudo conhecida como antrozoologia.
Em nosso amor por outros animais e nossa curiosidade insaciável em relação às sensações, os sentimentos e os impulsos dos animais, cientistas enxergam chaves que revelam alguns dos aspectos mais essenciais da humanidade. Eles também enxergam o amor por animais como um caso clássico de biologia e cultura operando em conluio.
Mas o modo como nossos impulsos animais se expressam é um assunto fortemente cultural e contingente. Grupos humanos incorporaram animais em suas cerimônias religiosas, por meio de sacrifícios de animais ou do uso de máscaras de animais. Outros fizeram extenso uso folclórico e metafórico de animais.
O antropólogo David Aftandilian, da Universidade Cristã do Texas, escreve em "What Are the Animals to Us?" (o que os animais representam para nós?) que o urso é presença constante nas histórias das culturas circumpolares "porque anda sobre duas patas e consome os mesmos alimentos que as pessoas comem", e, através da hibernação, parece morrer e renascer.
Pesquisadores identificam a origem do amor pelos animais na capacidade humana de inferir os estados mentais de outros, algo que, segundo evidências, teria emergido entre 50 mil e 100 mil anos atrás. Possuidores dessa característica, nossos ancestrais não apenas puderam participar de intercâmbios sociais mais e mais sofisticados, como puderem manipular outras espécies e prever seus atos, antevendo para onde uma presa poderia estar se dirigindo ou atraindo uma rena, que lambe sal, impregnando um tronco de árvore com o tipo apropriado de resíduo humano.
Não demorou para que humanos começassem a atribuir características e motivações humanas a qualquer coisa que possuísse rosto, voz ou trajetória -ursos, morcegos, tempestades, a lua.
James Serpell, presidente da Sociedade Internacional de Antrozoologia, propôs que a disposição de antropomorfizar foi crucial para domesticação dos animais e a criação de laços com eles. Os humanos se sentiram atraídos pelos animais que pareciam reagir a seus gestos.
Animais como lobos desviam seus olhos quando são vistos, mas cães e gatos olham de volta. Outra coisa, disse Horowitz, é que os rostos dos cachorros "são flexíveis, e os cachorros conseguem levantar os lábios em um sorriso. Os animais que parecemos amar mais são os que nos olham e assumem expressões."
Os cães estiveram entre os primeiros animais domesticados, aproximadamente 10 mil anos atrás, em parte devido a sua notável facilidade em responder aos humanos e também por sua disposição de trabalhar. Especialmente úteis na caça, eram enterrados com seus donos.
No entanto, os principais textos sagrados das religiões monoteístas contêm poucas referências benévolas aos cães, e os cachorros têm sido um item de cardápio. Os astecas criavam uma espécie de cachorro sem pêlos para ser consumido, e, segundo o antrozoólogo Anthony L. Podberscek, da Universidade Cambridge, nas feiras da Coreia do Sul são vendidos cachorros para que sejam consumidos como carne ao lado de cachorros para servir de bichos de estimação. Normalmente, a elevação de um animal ao status de animal de estimação significa que ele é retirado da cadeia alimentar humana.
Os padrões de manutenção de animais como bichos de estimação variam segundo o tempo e as culturas e podem assemelhar-se a memes sociais contagiosos.
Harold Herzog, professor de psicologia na Universidade Western Carolina, na Carolina do Norte, em seu livro "Some We Love, Some We Hate, Some We Eat" (alguns nós amamos, alguns nós odiamos, alguns nós comemos), descreve o crescimento da classe média na França do século 19. "Em 1890", o guarda-roupa de um cachorro parisiense elegante poderia incluir "botas, um robe, um traje de banho, roupa de baixo e uma capa de chuva".
As pessoas demonstram paixão por seus animais de estimação; algumas podem até mesmo se dispor a morrer por eles. "Em estudos feitos sobre a razão de pessoas terem se recusado a abandonar Nova Orleans durante o Katrina, um número surpreendente de pessoas disse que não podia deixar seus bichos de estimação para trás", disse Herzog, aludindo ao furacão de 2005.


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