São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009

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Além da censura

Internautas combatem repressão governamental

newsha tavakolian/polaris, para o New York Times
Nas manifestações contra os contestados resultados da eleição iraniana, celulares e Twitter burlaram o controle do governo


Por BRIAN STELTER
e BRAD STONE

Antigamente, os regimes autoritários podiam ocultar os acontecimentos em seus países simplesmente cortando as linhas telefônicas de longa distância e restringindo alguns estrangeiros. Mas, no século 21, as câmeras de celulares, as contas no Twitter e toda a parafernália da internet mudaram o antigo cálculo de quanto poder os governos realmente têm para sequestrar seus países dos olhares do mundo e dificultar para sua própria população reunir-se, discordar e rebelar-se.
As tentativas às vezes hesitantes do Irã de enfrentar essa nova realidade estão oferecendo um laboratório do que pode ou não pode ser feito nessa nova era da mídia. Também está oferecendo lições para outros governos sobre o que eles poderão fazer se suas populações forem às ruas.
Uma das primeiras lições é que é mais fácil para as autoridades iranianas limitar as imagens e a informação dentro do país do que impedir que se espalhem rapidamente para o mundo exterior. Enquanto o Irã restringia severamente o acesso à web, surgia uma rede mundial de simpatizantes para ajudar a conectar os ativistas e cineastas amadores.
Pouco depois que Neda Agha-Soltan sangrou até a morte em uma rua de Teerã, em 20 de junho, um vídeo de 40 segundos de sua agonia percorreu o mundo. O homem que fez o vídeo enviou o arquivo de 2 megabytes por e-mail para um amigo próximo. Burlando os censores do governo, ele rapidamente o remeteu para a rádio Voice of America, o jornal "Guardian" e para cinco amigos na Europa, com uma mensagem que dizia: “Por favor, façam o mundo saber.
Cópias do vídeo, assim como um mais curto feito por outra testemunha, se espalharam quase imediatamente para o YouTube e foram exibidos horas depois pela CNN.
Agha-Soltan foi transformada, via web, de uma vítima anônima em um ícone do movimento de protesto iraniano. A ampla penetração da web torna a censura “um trabalho muito complicado”, disse John Palfrey, codiretor do Centro Berkman para a Internet e a Sociedade, em Harvard, EUA. O Centro estima que cerca de 35 governos —tão díspares quanto China, Cuba e Uzbequistão— controlam extensamente o acesso de seus cidadãos à rede mundial. Destes, o Irã é um dos mais agressivos. Palfrey disse que a tendência tem sido um aumento da censura, e não diminuição. “É quase impossível o censor vencer no mundo da internet, mas eles estão brigando firmemente”, disse. Desde o advento da era digital, governos e rebeldes lutaram por causa das tentativas de censurar as comunicações. Mensagens de texto foram usadas para reunir os simpatizantes em uma rebelião política popular na Ucrânia em 2004 e para ameaçar os ativistas na Belarus em 2006. Quando Mianmar tentou silenciar os manifestantes em 2007, desativou a rede da internet no país durante seis semanas. No início de junho, a China bloqueou sites como YouTube para coincidir com o 20° aniversário da repressão na praça Tiananmen. No Irã a censura foi mais sofisticada, representando um extraordinário ciberduelo. O governo desacelerou o acesso à internet e usa as últimas tecnologias de espionagem para localizar adversários. Mas pelo menos de forma limitada os usuários ainda conseguem mandar mensagens pelo Twitter e transmitir vídeos entre si e para um mundo de espectadores conectados. Por causa da determinação desses usuários, centenas de vídeos amadores de Teerã e outras cidades foram colocados no YouTube nos últimos dias, fornecendo às redes de televisão horas de material cru —mas não verificado— dos protestos. A internet “certamente rompeu 30 anos de controle estatal do que é visto e não é visto, do que é visível contra invisível”, disse Navtej Dhillon, analista do Brookings Institution, em Washington. Mas tirar fotos é uma atitude cada vez mais perigosa no Irã. A polícia local confrontou cidadãos que tentavam filmar perto de um memorial a Agha-Soltan, em 22 de junho. Ameaçar as pessoas que têm câmeras é apenas a última de uma série de medidas das autoridades. Em 12 de junho, dia em que a polêmica eleição presidencial provocou os protestos, o governo fechou todos os serviços de mensagens de texto do país —a principal ferramenta que os opositores usavam para se comunicar—, tornando novas ferramentas como Twitter e antigas técnicas como o boca-a-boca mais importantes para se organizar. No dia seguinte à eleição, o provedor de telecomunicações controlado pelo Estado desligou a web durante mais de uma hora, segundo a companhia de monitoramento da internet Renesys. O acesso foi parcialmente restabelecido dois dias depois, uma segunda-feira. O YouTube disse que o tráfego no site vindo do Irã caiu cerca de 90% naquela semana, indicando que a maioria —mas nem todas— as conexões tinham sido interrompidas ou reduzidas. O Facebook disse que o tráfego do Irã diminuiu mais da metade desde a eleição. Apesar da repressão, os vídeos e as mensagens indicam que ferramentas amplamente distribuídas na rede não podem ser totalmente reprimidas por um governo autoritário. “Você não pode tentar trancar toda a internet em uma caixinha no seu país, como a China constantemente tenta fazer”, disse Richard Stiennon, fundador da IT-Harvest, empresa de pesquisa de segurança na web. “Há inúmeras maneiras de contornar bloqueios. Eles teriam de proibir toda a internet ou construir sua própria rede.


Brian Stelter apurou desde Nova York, e Brad Stone, desde San Francisco. Colaboraram Michael Slackman, no Cairo, Steven Lee Myers, em Bagdá, Noam Cohen, em Nova York, e um funcionário do "New York Times" em Teerã


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