São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009

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TENDÊNCIA MUNDIAIS

Cortes no Exército russo provocam insatisfação

Por CLIFFORD J. LEVY

KUBINKA, Rússia — Ao lado de um estacionamento em Kubinka, há um prédio órfão que poderia ser confundido com um grande galpão. No passado, era usado como alojamento de operários transitórios, mas inspetores sanitários o consideraram impróprio para moradia. As paredes são recobertas de mofo, os tetos estão aos pedaços, e ratos correm de um lado a outro.
Nos últimos sete anos, porém, o prédio tem abrigado vários oficiais de alto escalão da Força Aérea russa, com suas mulheres e seus filhos. “As Forças Armadas nos converteram em nômades”, disse um dos oficiais, o coronel Viacheslav Soliakov.
A condição lastimável dos alojamentos destinados a oficiais é um sinal revelador do estado em que se encontram as Forças Armadas, quase duas décadas após a queda da União Soviética. E agora os oficiais enfrentam o que veem como a humilhação máxima: nos próximos meses eles serão demitidos, como parte da maior revisão das forças militares em gerações.
Embora o plano seja elogiado por analistas militares, parece provável que vá criar um contingente de dezenas de milhares de ex-oficiais insatisfeitos que ingressam numa economia em crise. Quando a economia russa estava forte, o Kremlin procurou aprimorar as Forças Armadas, aumentando seus gastos com equipamentos e treinamento. Mas o alto oficialato reconhece que a guerra na Geórgia, em agosto passado, trouxe à tona deficiências graves, apesar da vitória russa conquistada sem dificuldades.
Hoje as Forças Armadas russas têm 1,1 milhão de pessoas, incluindo 360 mil oficiais, e o plano é reduzir o corpo de oficiais para 150 mil. Anunciadas primeiramente no ano passado, as reduções têm suscitado manifestações esporádicas de oficiais, e alguns generais de longa data se demitiram em protesto ou foram afastados. Oficiais que serviram na Alemanha Oriental, que combateram no Afeganistão nos últimos dias do império soviético, que travaram a feroz campanha da Rússia para reprimir uma insurgência muçulmana na Tchetchênia —não importa o que tenham feito, estão sendo demitidos.
“Todos estão ultrajados”, disse o coronel Yevteni Ugolnikov, 49. “Não temos perspectivas de futuro. Não temos apartamento, nem possibilidade de encontrar emprego. Como vamos fazer?”
Os oficiais, que trabalhavam numa base em Kubinka, disseram que já não estavam relutantes em se manifestar, apesar das restrições impostas pelo Exército à divulgação pública de seus problemas. Eles disseram desconfiar que a única maneira pela qual poderão receber benefícios decentes será pagar propinas. A corrupção é ampla na Rússia, em especial no establishment militar.
Não é de hoje que os salários pagos nas Forças Armadas russas são baixos —alguns oficiais em Kubinka disseram que recebem R$ 1.200 mensais—, mas um benefício que parecia compensar era que os oficiais com tempo de serviço longo recebiam um bom apartamento ao se aposentar.
O coronel Anatoli Zhuravliov, 46, que viveu no prédio decadente até recentemente, disse que seus superiores lhe falaram que ele só receberia um apartamento se pagasse uma propina de R$ 37.000. “É assim: um oficial assistente procura você e cochicha em seu ouvido: ‘Quer ganhar um apartamento? Pague o valor x e você o receberá’”, disse o coronel.
Zhuravliov disse que enviou provas a promotores mostrando que os apartamentos estavam sendo mantidos vazios para que se pudesse recolher as propinas, mas que não adiantou. Hoje recebendo pensão por invalidez, devido à hipertensão sanguínea, ele disse que há pouco tempo recebeu um apartamento, finalmente, apenas porque as Forças Armadas queriam que ele parasse de reclamar.
Oficiais e promotores militares não responderam a perguntas sobre o alojamento em Kubinka ou a reforma militar. O premiê Vladimir Putin disse em abril que a reforma militar era evidentemente necessária, mas destacou que o governo cumpriria suas obrigações para com os oficiais.
“Em todo lugar do mundo existe um triângulo: na base dele estão os soldados e oficiais juniores, e mais alto na pirâmide estão generais, almirantes etc., em número menor”, disse Putin. “Neste país, temos quase uma pirâmide invertida. No nível mais baixo, daqueles que combatem e tomam decisões críticas no campo de batalha, não há gente suficiente, e o nível superior não tem espaço suficiente para tantas pessoas.”
A maioria dos oficiais em Kubinka minimizou boatos sobre revoltas, dizendo que queria apenas uma baixa feita corretamente, com a possibilidade de fazer algo depois. Mas alguns dos oficiais e das esposas deles disseram que jamais esquecerão o choque de serem transferidos para esse lugar e se verem vivendo num galpão ao lado de um estacionamento.
“Chorei por duas semanas depois de nossa chegada”, contou a mulher do coronel Soliakov, Nina Soliakova, 54.


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