São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

Texto Anterior | Índice

Cérebro humano se altera após abuso na infância

Por BENEDICT CAREY
Há anos os psiquiatras sabem que crianças vítimas de abusos ou negligência têm um risco elevado de desenvolverem posteriormente problemas como ansiedade, depressão, abuso de substâncias e suicídios. A conexão não é surpreendente, mas desperta uma questão: será que o abuso provoca mudanças biológicas que aumentam tais riscos?
Há cerca de dez anos os pesquisadores da Universidade McGill (Montreal), sob o comando de Michael Meaney, vêm demonstrando que a existência de uma mãe afetuosa altera a expressão dos genes em animais, permitindo-lhes atenuar sua reação psicológica ao estresse. Esses "colchões" biológicos são então transmitidos à geração seguinte: roedores e primatas não humanos preparados para enfrentar o estresse tendem a cuidar mais de suas crias, segundo Meaney e outros pesquisadores. Agora há provas de que o mesmo sistema funciona em humanos. Num estudo com suicidas publicado na revista "Nature Neuroscience", os pesquisadores apontam que pessoas vítimas de abuso ou negligência demonstravam alterações genéticas que provavelmente as tornavam biologicamente mais sensíveis ao estresse.
Isso ajuda a esclarecer os fatores biológicos por trás de uma infância sofrida. No estudo, cientistas da McGill e do Instituto para Ciências Clínicas de Cingapura compararam os cérebros de 12 suicidas que tiveram problemas na infância com os de outros 12 suicidas que não haviam sofrido abusos ou negligência. Os cientistas avaliaram a criação das pessoas fazendo longas entrevistas com parentes e investigando prontuários médicos. Os cérebros estão preservados no Hospital Douglas, de Montreal, como parte do Banco de Cérebros de Suicidas do Québec, fundado por pesquisadores da McGill.
Quando as pessoas ficam estressadas, o hormônio cortisol circula amplamente, deixando o organismo em alerta. Para reduzir essa ansiedade física, o cérebro produz receptores nas células cerebrais que ajudam a eliminar o cortisol, inibindo o sofrimento e protegendo os neurônios da exposição prolongada a esse hormônio, que pode ser nocivo. Os pesquisadores descobriram que os genes que codificam esses receptores ficavam cerca de 40% menos ativos nas pessoas que haviam sofrido abusos na infância do que nas demais. Os cientistas encontraram as mesmas diferenças notáveis entre o grupo dos abusados e os cérebros dos 12 integrantes de um grupo de controle, que não haviam sofrido abusos e morreram por outras causas que não o suicídio. "É uma boa evidência de que os mesmos sistemas que vimos em outros animais ocorrem em humanos", disse Patrick McGowan, principal autor do estudo.
Devido a diferenças individuais no maquinário genético que regula a resposta ao estresse, dizem os especialistas, muita gente administra seu sofrimento apesar de infâncias terríveis. Outros podem encontrar consolo em outras pessoas, o que as ajuda a regular a dor inevitável de viver uma vida plena.


Texto Anterior: Pesquisadores tentam explorar recônditos do universo digital
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.