São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011

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Revolta na Líbia deixa mulheres em 2° plano

ALKIS KONSTANTINIDIS/EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY
O movimento revolucionário líbio foi iniciado pelas mulheres, mas exclusão em cargos de liderança está alienando ativistas democráticas

Por KAREEM FAHIM
BENGHAZI, Líbia - Nos últimos dias, depois de semanas de adiamentos e reuniões a portas fechadas, os líderes rebeldes líbios anunciaram uma série de novas indicações, incluindo um chefe da Defesa e um ministro da Reconstrução e Infraestrutura.
Eles acrescentaram membros ao conselho nacional para representar áreas no sul, centro e oeste da Líbia em um esforço para reforçar a revolução, respeitando assim a diversidade, e, no caso de o coronel Muammar Gaddafi partir, tornar improvável uma guerra civil, explicaram os líderes rebeldes.
Mas um grupo se perdeu nessa reorganização -as mulheres. Enquanto o governo rebelde incipiente mais que duplicou em tamanho, as mulheres, hoje, ocupam apenas dois dos cerca de 40 cargos de liderança. Uma mulher deveria ter sido nomeada ministra da Educação, mas um homem vai assumir a função.
Para um movimento revolucionário que foi iniciado por mulheres -as parentes de homens mortos em uma das prisões de Gaddafi-, sua exclusão nos níveis considerados mais altos está alienando antigas ativistas democráticas.
"Agora, estamos tendo um problema", disse Hana el-Gallal, uma advogada de direitos humanos que seria candidata à pasta da Educação. "No velho regime, não tínhamos qualquer voz nos setores econômico e político. Hoje, nesses dois setores, não temos qualquer presença."
Salwa Bugaighis, uma figura importante na revolução, disse: "Nós queremos mais. Acho importante estar no lugar onde eles tomam as decisões".
Outras mulheres dizem que não estão preocupadas com a falta de mulheres em papéis de liderança, dizendo que as estruturas do governo são temporárias e refletem uma corrida para impedir que as áreas rebeldes mergulhem no caos.
"Não estou nada preocupada", disse Molly Tarhuni, uma analista independente em Benghazi que estuda o movimento rebelde. "Isso é muito temporário e transitório. Não acho que seja justo dizer que é microcósmico do que acontecerá no futuro."
As mulheres líbias enfrentam perigos crescentes. Autoridades de saúde pública dizem ter recebido evidências de que dezenas de mulheres foram estupradas por soldados das forças de Gaddafi, e, embora várias organizações estejam mobilizando equipes para ajudar as vítimas de estupro, o esforço continua fracionado e sem uma liderança central. A guerra também está causando cada vez mais casos de violência doméstica, dizem os médicos.
Algumas mulheres admitiram preocupações de que o progresso que fizeram nas últimas décadas possa se desfazer. Apesar da violenta repressão aos dissidentes políticos por Gaddafi, as mulheres fizeram avanços sob seu regime, entrando, em grande número, em escolas secundárias e universidades. Muitas tornaram-se médicas, advogadas e juízas, e várias também mantiveram importantes cargos no governo.
Em uma conferência em Benghazi no mês de maio, onde os moradores discutiram o papel das mulheres na revolução, várias pessoas mencionaram o exemplo de Eman al Obeidy, que invadiu um hotel cheio de jornalistas em março para contar a história de que foi estuprada por milicianos de Gaddafi. "Não ficaremos em silêncio", disse uma moradora. Mas a maior parte das palestras da conferência girou em torno de questões mais prementes da guerra contra Gaddafi, bem como a necessidade de apoiar os homens que estão em combate nas linhas de frente.
Uma das oradoras, Muna Sahli, professora universitária, disse que a conferência, que se destinava a donas de casa, pretendia depositar a base para a democracia em uma sociedade que foi fechada e monitorada pelo governo durante décadas. "Estamos preparando as mulheres para aceitar o outro, criar filhos, compreender seu papel em uma sociedade democrática", ela disse. Ela e outras disseram crer que, apesar dos reveses, as mulheres estão conduzindo a revolução. "Existe uma grande disposição para chegar ao primeiro plano, por um movimento de mulheres ativistas que estão fazendo as coisas", disse Tarhuni. Algumas culparam as realidades da guerra em uma sociedade conservadora pela falta de líderes mulheres. Fawzia Bariun, professora de árabe na Universidade de Michigan, disse que ela e outras perguntaram a Mustapha Abdul Jalil, o líder do conselho nacional, por que as mulheres não estão sendo mais bem representadas. Disseram-lhes que os homens de áreas menores e conservadoras do país não gostariam de enviar mulheres sozinhas a Benghazi.
"De um lado, vejo isso como lidar com a realidade", disse a doutora Bariun. "De outro, vejo que as mulheres terão de exigir mais representantes."


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