São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

Política externa, mas de olho nas urnas

Londres
A temporada política americana já começou. Minha filha de 13 anos embarcou nela num piscar de olhos. Ao ver uma foto de Barack Obama tomando um copo de Guinness, em meio à busca por suas raízes irlandesas, ela exclamou: "Pois é: cabelo ruivo, pele clara, olhos azuis -ele parece mesmo suuuuper irlandês".
A cerveja foi bebida em Moneygall, 298 habitantes, relevância estratégica zero, relevância política elevada. Foi desse lugar esquecido que, conforme Obama aprendeu com genealogistas, seu tataravô Falmouth Kearney partiu para os EUA, na década de 1850. E o resto, com uma contribuição do Quênia via Havaí, é história.
O Conselho de Segurança Nacional de Obama é um dos mais políticos que já houve. Ele é encabeçado por dois americanos de origem irlandesa: Tom Donilon e seu adjunto Denis McDonough. Ambos não são animais da política externa, como eram Kissinger, Brzezinski ou Rice. Eles não vão enquadrar a diplomacia americana numa profusão de referências históricas. Eles não gostam de "ismos". Eles preferem a simplicidade.
O que eles têm é um instinto político altamente desenvolvido e disciplinado. A segurança americana é a sua missão estratégica, mas sob o prisma de outro imperativo: a reeleição de Obama no ano que vem. O presidente aprecia a frieza de cálculos deles, que está no centro da sua própria persona política.
Daí a escala na Irlanda, que permitiu a Obama declarar: "Meu nome é Barack Obama, dos O'Bamas de Moneygall, e vim para casa encontrar o apóstrofo que perdemos em algum lugar do caminho". Eis aí uma frase que pode ganhar eleições, especialmente se combinada com o frio instinto assassino que apanha o terrorista mais procurado do mundo.
Essa não foi a única imagem da viagem. A reunião em Londres com o casal favorito do mundo, o duque e a duquesa de Cambridge (William e Kate para os íntimos), e uma visita à Polônia também tinham o carimbo Donilon-McDonough. O voto polaco-americano será importante em 2012, assim como o voto irlandês-americano, e esse casal real em particular é um casal real vencedor.
Será interessante ver como um Conselho de Segurança Nacional tão político afeta as decisões governamentais de Obama até a eleição. Eu prevejo que ele manterá firmemente a data de meados de 2012 para iniciar a redução das tropas americanas no Afeganistão. Os americanos estão cansados da guerra, Osama bin Laden já era, a guerra é impossível de ser vencida no sentido convencional, e as exigências mínimas de segurança nos EUA podem ser atendidas com uma força muito menor, combinada com uma diplomacia inteligente.
Quanto à nova guerra, na Líbia, Obama precisa prevalecer, o que significa a saída de Muammar Gaddafi. O presidente tem apostado muito na Primavera Árabe, alinhando-se com os jovens que, buscando acabar com o despotismo, se desvencilharam de alguns velhos amigos, como Hosni Mubarak, e se puseram na luta por uma Líbia livre. Isso pode parecer mais arriscado do que operadores políticos nos moldes de McDonough e Donilon recomendariam.
Mas um presidente americano, mesmo numa época de declínio do poderio dos EUA, e talvez especialmente num momento desses, precisa de uma causa maior. A frente doméstica vai ser uma chatice até meados de 2012, enquanto a batalha para criar emprego e sair da Grande Recessão continua. Se Obama conseguir se associar à maior onda de libertação no mundo desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, ele vai se beneficiar.
Os republicanos o acusam de malbaratar o poderio americano. A melhor réplica a isso é uma transformação do mundo árabe que alinhe os valores e interesses americanos. Os EUA estarão mais seguros quando as sociedades árabes não forem mais repressivas fábricas de ódio. Eu espero que Obama permaneça empenhado em assegurar que as novas aspirações árabes não sejam frustradas.
O equilíbrio mais delicado terá de ser na questão israelo-palestina. Confrontar Israel resulta em capital político zero para um presidente americano. Portanto, Obama precisará conter a sua evidente frustração com o premiê Binyamin Netanyahu. Ao dizer que o sonho de Israel será frustrado por uma "ocupação permanente" e ao defender uma retirada israelense para algo semelhante às fronteiras de 1967, ele foi até o limite do que sua equipe de segurança nacional recomenda.
Obama sempre foi um realista sobre quem o idealismo se projetou, uma cabeça fria com o dom da palavra. É claro que ele mencionou Kennedy ao chegar à Irlanda. É um sinal da sua estatura cuidadosamente coreografada que isso não tenha parecido absurdo.

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