São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2010

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LENTE

A vida sob a perspectiva do divã

Woody Allen talvez seja um dos homens psicanalisados mais conhecidos do mundo. Por isso, quando ele fugiu com a filha de sua namorada, em 1993, humoristas e editores de tabloides farejaram sangue.
Um apresentador de "talk show" americano zombou do psiquiatra de Allen: "Bom trabalho!".
A ideia de falar interminavelmente de problemas no divã de um terapeuta é algo facilmente caricaturado. Em artigo recente na "Times Magazine", Daphne Merkin, descrevendo sua própria odisseia de 45 anos de análise, comparou-a a uma dependência.
"Minha fé inabalável na possibilidade de autotransformação", escreveu Merkin, "me impeliu de um terapeuta a outro, eternamente à procura de algo que parecia fora de meu alcance".
A despeito disso, mais de um século depois de Freud ter feito seus primeiros experimentos com a "cura pela palavra", a ideia de que palavras podem mudar nossos padrões de pensamento e comportamento ganha reforços novos.
Como escreveu Benedict Carey no "New York Times", o clichê segundo o qual psicoterapia é igual a ensimesmamento é injusto. O objetivo com frequência é capacitar um paciente -seja alguém que reclama de seu cônjuge, seja um criminoso violento- a compreender o ponto de vista do outro.
Recentemente, esse processo vem ganhando a ajuda da tecnologia. Pesquisadores na Suécia estão acrescentando à equação da terapia pela palavra fones de ouvidos acoplados a óculos de vídeo, além de estímulos táteis.
Com isso, o paciente "enxerga" e "sente" desde um ponto de vista alternativo, levando o cérebro a ter uma experiência sensória diferente da sua.
"Podemos visualizar as possibilidades: inserir um homem em um corpo feminino, um jovem em um idoso, um negro em um branco e vice-versa", disse Henrik Ehrsson, do Instituto Karolinska.
Outro psicólogo, Leslie Lothstein, definiu metas semelhantes no trabalho que faz com padres pedófilos em Hartford, Connecticut. Embora Lothstein admita que "a pedofilia não é tratável", ele disse ao "New York Times" que, através de terapia intensiva da palavra, "você pode conscientizar os pedófilos do mal que causam".
E, se eles não têm consciência, você procura dotá-los de uma função mentalizadora", para ajudá-los a entender a experiência de uma vítima e, espera-se, controlar seus impulsos. "O tratamento é lento", disse Lothstein, mas ele acha que alguns pedófilos podem aprender a sentir empatia.
A conversa também é o foco de um esforço do governo dos EUA para prevenir suicídios de veteranos de guerra. No serviço telefônico do Departamento de Assuntos de Veteranos, terapeutas e conselheiros recebem até 300 ligações por dia.
Os profissionais afirmam que, desde 2007, o serviço impediu o suicídio de cerca de 10 mil veteranos, às vezes por meio de intervenções com a polícia local, às vezes simplesmente por acalmar os atormentados. "O ato de pegar o telefone é uma tentativa de buscar ajuda uma última vez", disse ao "Times" Caitlin Thompson, coordenadora do serviço. "Procuramos aproveitar essa ambivalência."
Quanto a Woody Allen, ele defende suas muitas décadas passadas falando sobre amor e morte em sua terapia.
"As pessoas sempre brincam comigo sobre isso", disse o cineasta à revista "New York" em 2008. "Dizem 'você fez tanta psicanálise mas é tão neurótico que acaba se casando com uma garota muito mais nova'. Mas eu poderia responder a elas: 'Tive uma vida produtiva. Trabalhei muito, nunca caí em depressão. Não sei se teria conseguido fazer tudo isso se não tivesse feito psicanálise'." KEVIN DELANEY


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