São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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Líder espiritual mantém oposição viva no Irã

Crítica à legitimidade do regime tem base apenas religiosa

Por MICHAEL SLACKMAN

CAIRO - O grão-aiatolá Hossein Ali Montazeri passou anos criticando o líder supremo do Irã e argumentando que o país não é a democracia islâmica que afirma ser, mas suas palavras pareciam ser sempre ignoradas. Agora, finalmente, muitos iranianos parecem estar lhe dando ouvidos, inclusive alguns ex-dirigentes do governo.
O aiatolá Montazeri emergiu como o líder espiritual da oposição, um adversário que o Estado foi incapaz de silenciar ou prender por causa das suas credenciais religiosas e de seu papel seminal na fundação da República Islâmica.
Ele é amplamente visto como o acadêmico religioso mais sábio do Irã e chegou a cogitar que se tornaria o líder supremo do país, até cair em desgraça com o aiatolá Ruhollah Khomeini, o líder da revolução de 1979 e dirigente máximo do Irã até sua morte, em 1989.
Agora, enquanto o governo iraniano reprime os protestos ocorridos depois da eleição presidencial de junho e devasta o movimento reformista, o aiatolá Montazeri usa a religião para atacar a legitimidade do governo.
"Temos muitos intelectuais que criticam este regime do ponto de vista democrático", disse Mehdi Khalaji, ex-seminarista em Qom e hoje pesquisador sênior no Instituto Washington para a Política do Oriente Próximo.
"Ele critica este regime puramente do ponto de vista religioso, e isso é muito pernicioso. O regime quer dizer: 'Se não sou suficientemente democrático, não importa. Eu sou islâmico'. Ele diz que este não é um governo islâmico."
O octogenário Montazeri permaneceu em Qom, centro do aprendizado religioso no Irã, emitindo sucessivos éditos religiosos de caráter político, ajudando a manter vivo o claudicante movimento oposicionista. O homem a quem Khomeini certa vez chamou de "o fruto da minha vida" tem condenado o Estado que ele ajudou a criar.
"Um sistema político baseado na força, na opressão, em mudar os votos das pessoas, em assassinatos, em interdições, na prisão e no uso da tortura stalinista e medieval, na criação da repressão, na censura a jornais, na interrupção dos meios de comunicação de massa e no encarceramento dos esclarecidos e da elite da sociedade por falsas razões, e forçando-os a fazer falsas confissões na prisão, é condenado e ilegítimo", disse ele em um dos muitos comentários divulgados na internet desde a eleição.
O atual líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, tem credenciais religiosas limitadas. Já o aiatolá Montazeri, um "marja", ou fonte de emulação, obteve o mais alto grau que um clérigo pode alcançar no Islã xiita. Ele é também o arquiteto da Velayat-e Faqih, ou tutela do jurista, base da teocracia iraniana e fonte da legitimidade do líder supremo.
"Ele é capaz de deslegitimar Khamenei mais do que qualquer outra pessoa na Terra", disse Khalaji. Apesar da prisão de milhares de manifestantes e reformistas, o governo não conseguiu silenciar a oposição, liderada principalmente por clérigos que construíram a República Islâmica: o ex-primeiro-ministro Mir Hussein Moussavi, o ex-presidente do Parlamento Mehdi Karroubi (ambos candidatos derrotados a presidente em junho) e o ex-presidente Mohammad Khatami.
Esses homens agora assumiram posições que há anos o aiatolá Montazeri defende, de que até num Estado religioso a legitimidade emana do povo.
"O governo não irá obter legitimidade sem o apoio do povo, e como condição necessária e obrigatória para a legitimidade do governante está sua popularidade e a satisfação do povo com ele", afirmou o aiatolá Montazeri no mês passado, em resposta a perguntas enviadas pela BBC.
Nos últimos tempos, o aiatolá Montazeri tem pedido desculpas por seu apoio à ocupação da Embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em 1979. Tem dito também que a República Islâmica não é nem república nem islâmica e que o líder supremo perdeu sua legitimidade.
"Independência", disse ele num recente discurso sobre ética, "é ser livre da intervenção estrangeira, e liberdade é dar ao povo a liberdade de expressar suas opiniões -não ser posto na prisão por cada protesto que se proferir".


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