São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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Revolução "afrobeat" tenta sucesso na Broadway

Por JON PARELES

"Mexam-se!", ordenou Bill T. Jones. "Ritmo, ritmo, ritmo!" Ele foi carregado pelo ar através do palco do Eugene O'Neill Theater (Nova York) por quatro bailarinos, aperfeiçoando seu tempo em uma forte cena ritual. A coreografia era feita na hora, enquanto o ator que seria realmente carregado, Kevin Mambo, observava das coxias.
Jones, importante coreógrafo moderno que ganhou um prêmio Tony por "O Despertar da Primavera", ensaiava sua estreia como diretor na Broadway com "Fela!", baseado na vida e na música do líder de banda e rebelde político nigeriano Fela Anikulapo Kuti. Quem? Na Broadway?
Estas foram as perguntas básicas que "Fela!" enfrentou em sua estreia, no último dia 23. O espetáculo passou de uma muito elogiada produção "off-Broadway", no ano passado, para o reino mais real e maior dos musicais da Broadway -de 299 lugares para 1.050. Embora a música que Fela (como Kuti é geralmente chamado) inventou, o "afrobeat", e os fatos centrais de "Fela!" sejam conhecidos dos africanos, nos EUA ele é desconhecido, exceto pelos devotos da música africana e os fãs de música política.
"Temos uma batalha morro acima", disse Stephen Hendel, produtor que iniciou o projeto, "porque não temos uma estrela conhecida e Fela é um artista e músico internacional fora da corrente dominante da cultura americana".
A meta que "Fela!" adotou para si mesmo é ser fiel à música e ao impacto do artista e atingir o público musical da Broadway. É inevitavelmente uma tradução, mas regida por mais respeito e ambição do que pela rotina do show business.
"Fela!" joga com as exigências conflitantes das tendências artísticas de Jones -em uma carreira celebrada que com frequência abordou história, raça e sexualidade- e os imperativos comerciais da Broadway, onde a ideia do público de música africana poderia começar e terminar com "O Rei Leão".
Também há o legado do próprio Fela, bem documentado em gravações e filmes dos anos 1970 até sua morte, em 1997, que é acalentado por fãs para os quais ele já era um herói cultural e musical. "Algumas pessoas, ao saber que íamos fazer um musical sobre ele, ficaram muito incomodadas", lembra Jones. "Porque Fela é underground, e a Broadway é a corrente dominante."
Na África, Fela, que morreu aos 58 anos de complicações da Aids, é uma figura que rivaliza com Bob Marley como inovador musical e símbolo de resistência. O "afrobeat", estilo que ele forjou no início da década de 1970, combina ritmos e mensagens africanas com o jazz e o funk que Fela absorveu durante sua educação no Reino Unido e nos EUA.
A vida de luxo em Gana, os ritmos ioruba da Nigéria, mambos afro-cubanos, James Brown, John Coltrane, Nina Simone e, sim, Frank Sinatra, todos fluíram para sua música, que soa exatamente como nenhuma delas. Dentro do ritmo animado, as letras de Fela denunciam a corrupção e a injustiça, pedem valores africanos e desafiam a autoridade.
Fela era desafiador por instinto e por ideologia e foi detido várias vezes, espancado e preso por sua oposição a uma série de regimes nigerianos. Em 1977, soldados queimaram o local onde ele vivia com suas mulheres, seus músicos e círculo íntimo -um episódio central no show da Broadway.
"Fela Kuti é um monstro sagrado, e nenhuma sociedade progressista e democrática deveria deixar de ter um -esse provocador, esse enfant terrible", disse Jones, declarando-se atraído pelo personagem porque ele aceitou sofrer por suas crenças. "Tenho certeza de que ele significava isso", ele disse. "Pelo menos é assim que o mostramos no espetáculo."
O show prefere o mítico ao mundano e apresenta sua história não pela narrativa linear, mas em canções, danças explosivas, memórias e flashbacks. "É um desvio do musical americano convencional", disse Hendel. "Mas espero que o público reaja a sua autenticidade." E acrescentou: "Não vamos emburrecê-lo".


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