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OMBUDSMAN
Jogo duro
MARCELO BERABA
É raro encontrar
uma edição da
Primeira Página da
Folha como a de domingo passado. Parece ter sido desenhada
com a explícita preocupação de uma distribuição milimetricamente equilibrada
do noticiário crítico
referente aos dois
grandes partidos que
disputarão a Presidência, o PT e o
PSDB.
No alto da capa,
uma no cravo e outra
na ferradura. O editorial "Abuso de poder"
condenou o comportamento do governo
federal no caso da
quebra ilegal do sigilo
bancário do caseiro
Francenildo Costa: "A
desfaçatez, o uso sistemático da mentira, o
empenho em desqualificar qualquer denúncia, nada disso
constitui novidade no
comportamento do
governo Lula. Chegou-se nos últimos
dias, entretanto, a níveis inéditos de degradação ética, de violência institucional e de
afronta às normas da convivência democrática".
Ao lado, a manchete reproduziu o resultado de uma auditoria na Nossa Caixa e de
uma investigação do Ministério Público: "Nossa Caixa beneficia aliados de Alckmin -
Verba publicitária foi direcionada para publicações e programas de políticos da base tucana". Um a um.
Na parte de baixo da capa,
mais PSDB e PT. A colunista
Mônica Bergamo informou
que a primeira-dama de São
Paulo, Lu Alckmin, ganhou
mais de 400 peças de alta-costura de um estilista, "O guarda-roupa de Lu Alckmin".
(Embora não tivesse o tom de
denúncia, a revelação questionava o "banho de ética" prometido por Alckmin ao se lançar candidato a presidente.) E
o ator Lima Duarte deu uma
entrevista em que chamou o
presidente Lula de "imbecil"
por "glamourizar a ignorância". Dois a dois.
Ao longo da semana, o noticiário político reforçou a idéia
de que os dois partidos "são
iguais" - na política econômica e nos desvios éticos.
Na segunda-feira, caíram o
ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, por conta da quebra
ilegal do sigilo bancário do caseiro, e o assessor de Comunicação do governo de São Paulo, Roger Ferreira, apontado,
segundo o jornal, como um dos
coordenadores do direcionamento de recursos da Nossa Caixa para favorecer a base aliada
do PSDB paulista. Títulos da
edição de terça: "Palocci cai;
Mantega assume" e "Caso da
Nossa Caixa provoca demissão
de assessor de Alckmin".
Na quinta-feira, a divulgação
do relatório da CPI dos Correios
ofuscou a viagem ao espaço do
primeiro astronauta brasileiro e
reforçou a idéia de que os dois
grandes partidos se assemelham.
"O ceticismo com os resultados
futuros do relatório da CPI dos
Correios só faz aumentar quando oposição e governo debatem o
teor do texto (...). Uma investigação cujos resultados estão abertos a negociação política não pode ser levada tão a sério", reclamou o editorial "Aquém do esperado", na sexta-feira.
Naquele dia, o jornal ainda
manteve uma boa cobertura do
caso Palocci e destacou, na Primeira Página, que a Assembléia
Legislativa vai investigar as doações para Lu Alckmin. Mas o caso Nossa Caixa já tinha sumido
do jornal. E o anúncio da saída
de José Serra da Prefeitura para
disputar o governo do Estado
omitiu a informação mais relevante: não lembrou aos leitores
que Serra, instado pela própria
Folha, havia assinado uma carta
garantindo que não renunciaria
para concorrer a outro cargo.
Em compensação, o jornal publicou dois editoriais com críticas a Alckmin: na terça-feira,
"Alckmin deve explicações", a
propósito da Nossa Caixa; e na
quarta, "Nova onda de motins"
apontou para o "fracasso" da política penitenciária.
Os leitores
Entendi a Primeira Página do
domingo e os desdobramentos
do noticiário nos dias seguintes
como um esforço do jornal para
oferecer uma cobertura eleitoral
equilibrada numa campanha que
já está marcada pela "exasperação exagerada", como lamentou
o ex-ministro Palocci antes de
deixar o governo.
Nem todos os leitores, porém,
tiveram a mesma leitura e recebi
várias críticas ao jornal. Não citarei os nomes dos leitores por
que aproveitei textos pequenos
de mensagens longas e
por que não tive condições de obter as necessárias autorizações.
As mensagens que
acusam o jornal de ser
antipetista são mais
freqüentes e já tratei
disso em colunas anteriores. Desta vez recebi
mais reclamações dos
que questionaram as
reportagens que envolveram Geraldo Alckmin. Uma delas: "Acho
que existe uma tendência de o jornal procurar
uma notícia ruim contra um candidato, mesmo que ela seja fraca,
imprecisa ou mal-fundamentada, e apresentar essa notícia com
destaque para contrabalançar outra notícia
contra outro candidato, mesmo que ela seja
fortíssima, detalhada e
incontestável".
Uma leitora reclamou de Mônica Bergamo, "chata e implicante", por ter entrevistado
o ex-estilista de Lu
Alckmin: "Fofoca ainda vai, mas maldade
não". No mesmo dia,
outro queixou-se da entrevista com Lima
Duarte (que depois pediu desculpas a Lula e à Globo),
"preconceituosa e violenta".
Um leitor reclamou, com razão, que as cartas selecionadas
para o Painel do Leitor foram
majoritariamente críticas em relação ao governo Lula.
Um raro elogio: "Vejo nestes
dois artigos -os editoriais "Palocci sai, a crise fica" e "Alckmin
deve explicações'- a postura de
um jornal que quer se identificar
com a lisura, com a coerência,
cobrando de todos, independentemente de que partido seja.
Corrupção não tem cor, ideologia ou partido".
Reproduzo dois comentários
gerais. O primeiro: "Temos
atualmente três tipos de fazer
imprensa: a imprensa que usa o
jornalismo investigativo lúcido,
a imprensa que usa o jornalismo
investigativo que vê conspiração
governamental em tudo e a imprensa "urubu na carniça", que
age com os fatos como se "empurrasse bêbado em ladeira", beirando o sensacionalismo".
O outro: "Partido, oposição e
imprensa entraram num jogo
em que sempre o limite anterior
é avançado. São gravações interceptadas, sigilos quebrados, invasão de privacidade, e tudo isto
é conduta ilegal. (...) O vale-tudo
que virou o jogo democrático
desde as primeiras denúncias
parece não ter limite. (...) E a imprensa, não teria um papel construtivo? Acho que está na hora
de reavaliar as relações da imprensa com sigilo de fontes, com
promiscuidades no Ministério
Público, com interesses escusos".
Turbulência
Toda eleição é difícil de ser coberta, mas esta será pior, tal o
acirramento entre os dois grandes partidos e o jogo pesado de
denúncias. Ainda vamos viver
um longo período de turbulência. Tem razão o leitor que chama a atenção para o risco de um
equilíbrio forjado, em que o jornal valoriza uma notícia "fraca"
contra um candidato para contrabalançar uma acusação "incontestável" contra o adversário.
Mas não acho que isso tenha
ocorrido na semana.
Têm razão, também, os que temem o sensacionalismo, os exageros e as injustiças. Por isso é
necessário uma vigilância permanente dos leitores.
A obrigação da imprensa é
combinar uma cobertura jornalística crítica, investigativa e
questionadora -e, portanto,
com forte carga negativa- com
a necessidade de abrir espaços
para a discussão positiva sobre o
futuro do país. É um desafio,
porque as pessoas parecem cansadas, tanto de denúncias como
de promessas.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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