São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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OMBUDSMAN

O furo do lixo

MARCELO BERABA

Um dos principais objetivos do jornalismo é a informação exclusiva. Um jornal deve ser, antes de tudo, bem informado. Embora não deva ser o único critério usado para avaliar um veículo ou um profissional, o furo (como se diz no jargão das Redações) bem dado contribui para a credibilidade de um jornal.
A disputa pelo furo é tão acirrada entre os meios de comunicação que criou algumas deformações. Uma delas é ignorar ou subestimar a importância de uma notícia se ela originalmente tiver sido publicada em um jornal concorrente.
Nesta semana, a Folha comportou-se diferentemente desse figurino. Na quinta-feira, ela, bem como o resto da imprensa paulista, levou um grande furo. "O Diário de S. Paulo" deu, com exclusividade, a seguinte manchete: "Documento apontava vencedores da licitação do lixo já em fevereiro".
O jornal informava que um consultor gaúcho registrara em cartório, em fevereiro, os nomes dos grupos que ganharam, na terça-feira, a maior concorrência para coleta, transporte e tratamento de lixo do país, de R$ 10,33 bilhões. Era um indício de fraude.
Na sexta-feira, a Folha também deu manchete para o assunto, coincidentemente com um documento também registrado em cartório, mas duas semanas atrás. Os documentos da Folha e do "Diário" são diferentes, mas acertam igualmente os nomes dos ganhadores.
O uso de recursos como esse para tentar comprovar arranjos e fraudes em concorrências públicas não é novo. O caso mais famoso foi iniciativa de Janio de Freitas, colunista da Folha, em 1987, quando fez publicar nos classificados do jornal, codificado, o resultado da concorrência para a construção da ferrovia Norte-Sul: "Concorrência da Ferrovia Norte-Sul foi uma farsa". O resultado foi, então, anulado.
Se a Folha tinha o registro em cartório dos vencedores da licitação do lixo de São Paulo há 15 dias, por que o jornal não divulgou a informação na quinta, como fez o "Diário"?
Suzana Singer, secretária de Redação da área de Edição, responde: "Não demos na quinta por precaução. Não sabíamos que o "Diário" também tinha informação semelhante. O nosso material não estava bom na noite de quarta. Era necessário ouvir melhor o outro lado [as explicações dos nomes citados pela reportagem], era necessário que o material fosse lido com cuidado por um dos nossos advogados e era necessário melhorar o texto da reportagem. Não queríamos correr o risco de publicar algo malfeito. Foi excesso de prudência, mas foi correto".
E por que deu destaque de manchete para uma informação que o "Diário" já tinha veiculado e, portanto, já não era uma completa novidade? Resposta de Suzana Singer: "O caso é importante demais pelo tamanho da licitação, de R$ 10 bilhões, e por envolver recursos públicos. Além disso, avaliamos que o material da Folha era mais rico, tinha mais informações".
A Folha teria a mesma prudência se soubesse que o "Diário" tinha informação semelhante?


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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