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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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Relato frio do caos

Florianópolis é a capital com melhor qualidade de vida, onde os cidadãos passam mais anos na escola, com a menor taxa de mortalidade infantil do Brasil. Pessoas de alto poder aquisitivo de várias partes têm-se mudado para lá. Os vôos ficam lotados segundas e sextas de gente que trabalha em SP mas mora na capital catarinense por opção.
Tudo isso a Folha sabe, porque publicou, há menos de um mês (3/10), caderno especial com todos esses dados.
Mas o que fez o jornal quando essa cidade, tida como paraíso turístico, foi atingida por um histórico blecaute desde a tarde de quarta-feira? Bem menos que o exigido para algo desse porte.
Chama a atenção, de início, a falta de imagens capazes de expressar o caos que tomou conta da cidade. A edição nacional publicou apenas fotos de vista do alto, de operários reparando cabos e uma outra, com jeitão de arquivo, de duas pontes ligando ilha e continente. Na edição SP, só a primeira e a última.
O caos se instalara desde as primeiras horas. Postos de gasolina fecharam; afetou-se o transporte coletivo; escolas dispensaram os alunos; congestionamentos se espalharam; o maior shopping teve todas as lojas fechadas. Faltou água. Vacinas foram recolhidas nos postos de saúde. Os telefones celulares só falhavam. Nas casas, as geladeiras tiveram de ser esvaziadas. Em hotéis, lotados -há dois grandes eventos, um esportivo e outro de negócios, no fim de semana-, houve gente presa nos elevadores.
A Folha reservou à notícia, no primeiro dia (quinta), menos de meia página, com um texto apenas descritivo, quase relatorial. No segundo dia (sexta), houve mais espaço, relatos e depoimentos sobre casos concretos; um quadro ilustrava como teria sido o acidente que provocou a situação traumática.
Mesmo assim, além da ausência de fotos, nada se falou sobre aspectos relevantes e úteis para os leitores (inclusive de outros Estados), como, por exemplo, a situação do aeroporto ou dos turistas de passagem ali.
Talvez, no primeiro dia, o jornal se tenha deixado levar pelas (sempre duvidosas) declarações oficiais de que tudo voltaria ao normal em poucas horas -e não deu, equivocadamente, a devida atenção ao tema.
Na sexta, é provável que o espaço se tenha comprimido pelo caso da ação da Polícia Federal contra juízes, advogados, policiais e empresários na Operação Anaconda. Isso não justifica, porém, a ausência de ao menos uma foto expressiva da situação dramática nem as lacunas de texto que apontei acima.
Seria exagero dizer que o jornal menosprezou o caos de Florianópolis -o qual persistia até o fechamento desta coluna. Mas ele, no mínimo, perdeu a chance de criar uma cobertura à altura de um evento inédito para uma capital cuja imagem, a partir de agora, jamais será a mesma.



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