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OMBUDSMAN
O silêncio da Folha
MARCELO BERABA
É comum a Folha editar cartas no "Painel do Leitor"
com informações que fazem reparos às suas reportagens.
Quando isso ocorre, o jornal pode ter três procedimentos distintos:
1 - confirma, por meio de nota
no pé da carta, as informações
que publicara;
2 - admite que houve erro e remete o leitor para uma nota na
seção "Erramos", na mesma página A3;
3 - ou simplesmente edita a
carta com as contestações, mas
sem resposta.
Este último procedimento dá
margem a dúvidas. Se quem escreveu a carta está certo nas
ponderações que faz, por que o
jornal não admite o erro claramente? Se o jornal está certo, por
que não responde confirmando
os dados que considera corretos?
Carros oficiais
Um exemplo recente: o jornal
publicou no sábado, dia 26, a reportagem "Governo gasta mais
com carro oficial, e servidor dribla regras" (pág. A4) em que informava que, em 2003 e 2004, "o
Estado brasileiro aumentou em
35% os gastos com aluguel, compra e manutenção de carros oficiais".
Ainda segundo a reportagem,
esse crescimento não foi acompanhado de um controle maior
do uso dos automóveis oficiais.
Entre os exemplos que flagrou
estava o carro do ministro das
Comunicações que, segundo o
jornal, circula com placa branca
sem identificação do ministério.
Reportagem mais do que pertinente. Na quinta-feira, no entanto, o jornal publicou, no "Painel do Leitor", duas cartas que
contestavam informações da reportagem. Uma delas, do Ministério das Comunicações, explicava que a placa do Detran é normalmente coberta por outra de
bronze que identifica o carro do
ministro, e que esta placa só é retirada "quando o carro é levado
à oficina para revisões mecânicas ou troca de óleo".
Os jornalistas que fizeram a reportagem responderam que as
fotos do carro sem a placa de
identificação foram feitas no
Congresso e no estacionamento
do ministério, e desmontaram os
argumentos da assessoria.
A outra carta, no entanto, ficou sem resposta. Enviada pelo
Ministério do Planejamento, explicava que, ao contrário do que
a reportagem dava a entender
com as fotos e os casos citados de
carros oficiais que circulam por
Brasília, boa parte dos recursos
gastos pelo governo em combustível foi com as Forças Armadas
"em operações conjuntas de manutenção da paz e segurança pública no país e pelo seu envolvimento em operações internacionais de paz, tanto no Timor Leste como no Haiti".
Segundo a nota, o aumento
dos gastos na compra de veículos
ocorreu nos ministérios da Defesa [para as operações citadas] e
da Saúde [ambulâncias]. "Assim, o aumento (...) com combustíveis e com a aquisição de
veículos verificado em 2004 não
se refere, como faz entender a reportagem da Folha, aos carros
oficiais para uso de servidores e
dirigentes dos órgãos da administração pública federal, mas à
elevação do nível de serviços
prestados à sociedade."
Ao ler a carta, concluí que o
jornal falhara ao omitir esses dados na reportagem de sábado.
Essa impressão ficou reforçada
pela inexistência de qualquer comentário da Redação em relação à carta oficial. Questionei o
ponto na Crítica Interna de
quinta-feira. E recebi da repórter
Julia Duailibi a explicação que
reproduzo.
"Não houve resposta ao Ministério do Planejamento porque a
carta não questiona os dados da
matéria. Apenas tenta justificar
os gastos ao dizer que 75% do
aumento deu-se com a aquisição
de carros para "operações" dos
ministérios da Saúde e da Defesa
com o objetivo de elevar "o nível
de serviços prestados à sociedade". Carros oficiais, segundo instrução normativa do próprio
Planejamento, englobam veículos de representação [carros de
ministros], veículos de serviço
[transporte de servidores e em
atividades externas de saúde pública e de fiscalização] e veículos
das Forças Armadas [não os
usados em combate, como dá a
entender a carta do ministério].
Portanto a Folha não comete nenhum erro ao dizer que o Estado
brasileiro aumentou em 35% os
gastos com aluguel, compra e
manutenção de carros oficiais.
De resto, em nenhum momento
é dito que o gasto todo foi com
carros de uso privativo de ministros, por exemplo. Apenas diz
que, enquanto o gasto em geral
aumenta, a fiscalização do uso
dos carros (e aí é citada inclusive
uma Kombi de transporte em situação suspeita, e não só carros
de ministros) não progride."
O leitor atento
A política da Folha tem sido a
de evitar responder a cartas para
não ocupar o espaço do leitor. O
jornal tenta restringir as respostas a casos excepcionais. Em vários momentos a falta de réplica
sinaliza respeito a opiniões divergentes ou o reconhecimento a
uma espécie de direito de resposta de quem foi objeto de reportagem. Há, portanto, um aspecto
positivo nesta política.
Mas, em algumas ocasiões, como no exemplo que usei, fica claro que o jornal omitiu informações relevantes sobre o assunto.
Ao não admiti-lo publicamente
dá margem para a seguinte interpretação: o jornal errou (por
omissão de informação), mas
não quis se corrigir.
Foi esse tipo de dúvida que fez
com que o leitor Pedro Eugênio
Beneduzzi Leite escrevesse para
o ombudsman a propósito de outro caso.
"O "Painel do Leitor" [do dia
22] traz duas mensagens referentes à matéria "Após apoiar PT,
Trevisan ganha mercado" e uma sobre "Educação Sexual". Com relação à educação sexual, a jornalista responsável reafirma sua
posição, para deixar claro que
pesquisou e tratou o tema corretamente. E com relação às duas
primeiras cartas? Nada! Isto é
um verdadeiro absurdo, pois já
que errou, e errou feio, deveria
pedir desculpas públicas, pois
certamente prejudicou a imagem da empresa em questão. A
Folha precisa rever isto. Errar faz
parte de qualquer profissão, mas
reparar o mal causado é obrigação de quem erra."
O erro apontado na reportagem da Folha pelas duas cartas
foi corrigido no dia seguinte e enviei cópia do "Erramos" para o
leitor. Recebi dele nova mensagem que reproduzo porque acho
que reflete o que pensam muitos
leitores.
"Esta é a questão. Acontece
que, quando alguém contesta
uma matéria e a reportagem tem
razão (ou pensa ter!), a resposta
vem logo abaixo: resposta do jornalista fulano de tal. (...) Quando
é líquido e certo que errou ou que
deu informação errada, só aparece a resposta do atingido. Não
acho isto correto. Logo abaixo da
resposta deveria vir um pedido
de desculpas. No outro dia, às vezes uma semana de depois, na seção "Erramos", não tem o mesmo
impacto. E vocês sabem muito
bem disso, tanto que, quando
têm razão, reafirmam a posição
na hora, certo? Continuarei
atento."
Voltarei ao assunto.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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