São Paulo, domingo, 03 de junho de 2001

Próximo Texto | Índice

OMBUDSMAN

Ou vai ou racha

BERNARDO AJZENBERG

O circo montado pelos meios de comunicação em torno da renúncia do senador Antonio Carlos Magalhães tomou conta da semana.
Satisfação a anseios mórbidos do público? Concessão inebriada ao talento midiático do político baiano? Carência de diversão? Ingenuidade generalizada expressa na expectativa de que um discurso fosse detonar bombas atômicas capazes de estragos superiores a qualquer apagão? Talvez a mistura disso tudo, além da notícia propriamente dita.
Mas a montanha pariu um rato, como muitos analistas acreditam. E cabe agora à imprensa, justamente, tentar repor as coisas nos seus devidos lugares.
O fogaréu "carlista" tende a refluir, a perder oxigênio. Não que ACM esteja politicamente morto, mas, em termos de mídia, até 2002 nada indica que ele fará jus a muita ribalta. Já foi o bastante.
Tanto o foi que, na mesma semana passada, três casos de extrema gravidade e importância passaram quase sufocados pelo tornado midiático "carlista".

EJ, Caribe, Marka
Na edição de terça-feira, a Folha publicava que a Justiça Federal em São Paulo havia negado no dia anterior pedido do Ministério Público Federal de quebra de sigilos telefônico, bancário e fiscal do ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira.
A mesma reportagem informava que, atendendo a parecer do senador Bello Parga (PFL-MA), o Senado arquivou dois pedidos de informações sobre movimentações financeiras de EJ.
A Folha não publicou, mas, segundo o "Estado de S.Paulo", o juiz que indeferiu a solicitação da quebra dos sigilos o fez porque o rastreamento de contas do Banco Central "não apurou até o momento qualquer dado que possa de uma forma ou de outra incriminar" Eduardo Jorge.
No mesmo dia, na página ao lado, na Folha, noticiava-se a condenação, nos EUA, de José Maria Teixeira Ferraz, um dos suspeitos de idealizar e comercializar o famoso dossiê Caribe.
Este "affaire", envolvendo nomes dentre os mais elevados (vivos e mortos) da cúpula tucana, foi retomado na quarta-feira, véspera da renúncia de ACM, quando o jornal publicou na capa, abaixo da dobra, a seguinte chamada: "Para FBI, Motta não dirigia firma no Caribe".
Dentro, a reportagem informava que, segundo a polícia federal norte-americana, a firma CH, J & T Inc., com sede nas Bahamas, não tinha o ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 98) como sócio.
Ainda de acordo com o texto, "o FBI e a PF suspeitam que o criador tenha falsificado o papel do dossiê que apontava Motta como diretor e que o ministro pode não ter tido nem conexão indireta com a empresa".
Uma chamada pequena, de uma coluna, ao pé da Primeira Página da sexta-feira trazia o seguinte título: "Malan repete que não sabia de ajuda ao Marka".
Resumia, assim, o que de mais importante fora dito pelo ministro da Fazenda no dia anterior em depoimento de quase sete horas na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Como se recorda, o caso Marka/FonteCindam foi reativado por uma reportagem da revista "Veja", há duas semanas, cujo teor, a rigor, pouco acrescentava ao que já se sabia antes.

Potencial explosivo
Esses três casos -EJ, dossiê Caribe e Marka/FonteCindam- têm, cada um separadamente, maior potencial explosivo real do que todas as páginas de discurso reunidas nos últimos meses por aquele que pretende voltar aos palcos por cima, no ano que vem, usando mais uma vez a Bahia como trampolim.
Mais do que isso -e eis o que interessa destacar aqui-, são casos malparados, que se arrastam já excessivamente e, por isso, estão a merecer solução, para um lado ou para o outro.
A imprensa tem aqui papel primordial. Não o de absolver ou condenar -isso cabe à Justiça- , mas o de esclarecer até o fim, à custa de investigação e revelação da verdade, sem preconceitos, o que aconteceu.
São três pendências bem concretas, que os leitores contabilizam entre aquelas que os jornais ou as revistas não souberam ainda resolver. E cobram satisfação.
Em especial as últimas notícias referentes ao caso EJ e ao dossiê Caribe, aqui apenas resumidas, depõem, em tese, a favor dos supostos candidatos ao cadafalso. Ampliam, assim, o desafio para os repórteres, ao mesmo tempo em que, de alguma forma, contribuem para tornar mais próxima a hora do desfecho.
O dossiê Caribe, goste-se ou não, está por um fio. As supostas provas de que EJ teria agido de modo criminoso em diversas frentes, também.
O mesmo vale até o momento para o caso Marka/FonteCindam, em especial quanto ao envolvimento supostamente condenatório do ex-diretor do Banco Central Francisco Lopes -e subordinados seus- nas operações de auxílio às duas pequenas instituições em janeiro de 99.

Reputações em jogo
O ombudsman não tem a intenção de sugerir a inocência ou a culpabilidade dos protagonistas desses episódios. Ao contrário: até com certa inquietação, prega que o jornalismo autenticamente investigativo, mais do que nunca, não os abandone.
Mas a pergunta é inevitável: em que momento, com qual autoridade, alguém poderá decretar a necessária solução, ainda que não simultânea, de pendências tão graves como essas?
O "trombone" de ACM -de modo paradoxal- mais atrapalhava do que ajudava na resolução de tais eventos. Manipulava cabeças. Embaralhava cartas, em tom superficialmente acusador. Queria ter tudo nas mãos.
De certa forma, sua retirada de cena, conquanto momentânea, pode significar a suspensão de alguns obstáculos e indiretamente tornar menos difícil o aprofundamento das apurações.
Nesse novo momento -no qual, aliás, muito se tem falado e escrito contra o "denuncismo" da imprensa-, os leitores esperam dos jornais algo adicional, de preferência definitivo, para esses casos.
Afinal, muitas reputações estão em jogo -não nos enganemos-, sob diversas miras, em todos os lados do grande balcão.



Próximo Texto: Título mentiroso
Índice


Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.