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Manchetes e manchetes
Manchete de domingo dizia que PF concluiu que Berzoini ordenou a compra de dossiê; relatório
parcial da própria polícia nem citava o deputado
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TRÊS MANCHETES publicadas pela Folha ao longo da semana provocaram reações contrárias de leitores.
Duas delas, na minha opinião,
têm problemas -e vou analisá-los-, e uma está correta.
O dossiê
A manchete de domingo
passado trouxe uma informação exclusiva sobre o caso do
dossiê que Luiz Antonio Vedoin, acusado de comandar a
máfia que atuava no Ministério da Saúde, tentou vender
para petistas com acusações
contra o PSDB. O título e o
texto que o sustentava foram
categóricos: "Para PF, Berzoini mandou comprar dossiê -
Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o Ministério Público concluíram
[grifo meu] que a decisão de
compra do dossiê contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e
coordenador-geral da campanha à reeleição do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva".
O jornal tentava antecipar,
com esta informação, o relatório anunciado pela PF para
ser divulgado no início da semana. A reportagem não tinha fonte identificada, o que
significa dizer que o jornal estava seguro da informação
que publicava, mas não podia
revelar a sua origem.
O texto interno não usou o
verbo concluir, como na capa,
mas uma formulação dúbia:
"Após dois meses de investigação, a Polícia Federal e o
Ministério Público Federal
firmaram a convicção de que a
decisão de compra do dossiê
contra tucanos partiu de Ricardo Berzoini, então presidente do PT e coordenador-geral da campanha à reeleição
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
Na segunda-feira saiu o tal
relatório da PF, mas não citava Berzoini. É um documento
parcial, e a polícia pedia mais
30 dias para concluir as investigações. Na terça-feira, o jornal saiu pela tangente ao noticiar o anúncio: "A PF não descartou ontem o possível envolvimento do presidente licenciado do PT, Ricardo Berzoini, na trama do dossiê,
mas, segundo o superintendente da PF em MT, a polícia
"não trabalha com esta hipótese neste momento'".
Na minha opinião, o jornal
se precipitou ao dar a informação, ainda mais como manchete. Concluir significa, num
caso como este, ter provas para indiciar; firmar convicção
não quer dizer nada. É possível que Berzoini seja citado
como mandante no relatório
final? É possível. Mas, ao que
parece, a PF ainda não tem
elementos para isso.
Acho que o jornal foi imprudente neste caso e correu um
risco desnecessário. A Redação preferiu não responder
aos meus questionamentos.
A televisão
A manchete de terça-feira
-"Publicidade oficial ajuda a
bancar TV de filho de Lula"-
contém um erro. Até prova em
contrário, o filho de Lula não
tem uma emissora de TV, como dão a entender a manchete e o título interno - "Verbas
de estatais ajudam a bancar
TV de filho de Lula".
A notícia, como está na Primeira Página, não sustenta a
manchete: "A Gamecorp, de
Fábio Luiz Lula da Silva, filho
do presidente Lula, divide
com o Grupo Bandeirantes o
faturamento obtido com verbas federais em anúncios na
Play TV (ex-Rede 21). É o que
prevê o contrato assinado entre a Rede 21, da Bandeirantes, e a Gamecorp, que produz
programas transmitidos pela
Play TV".
Há uma ação na Justiça do
grupo Bandeirantes, proprietária da Play TV, contra a Editora Abril. Entre vários pontos que cabe à Justiça esclarecer está o da acusação, feita
pela Abril, de que a emissora
teria sido arrendada pela Gamecorp, o que constitui uma
ilegalidade. Segundo a Bandeirantes, o que há é uma venda de espaço.
O "Painel do Leitor" publicou, no dia seguinte, duas cartas contestando aspectos da
reportagem, uma delas do
Grupo Bandeirantes. Um das
reclamações dizia respeito à
manchete: "Diferentemente
do que informa a manchete, o
filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é sequer
acionista da Rede 21". A resposta da Folha foge do questionamento: "... a manchete se
referia ao espaço controlado
pela Game TV (ex-Gamecorp)
na programação da PlayTV
(antiga Rede 21). A Game TV
tem entre os sócios Fábio
Luiz da Silva. Em nenhum
momento a reportagem afirmou que ele era acionista da
Rede 21". A reportagem, não;
mas a manchete, sim.
É importante que o jornal
continue interessado em esclarecer este assunto. Envolve
uma emissora de TV (concessão pública), uma empresa de
telefonia (concessão pública),
publicidade oficial (dinheiro
público) e uma empresa que
tem como sócio o filho do presidente da República. É um
assunto de interesse público.
Mas há um erro de informação na manchete e o jornal deveria corrigi-lo. Também sobre este assunto a Redação
não quis se pronunciar.
As doações
A terceira manchete polêmica -"Bancos lideram doações a Lula"- está correta. A
objeção levantada por alguns
leitores foi a de que o candidato derrotado, Geraldo Alckmin (PSDB), recebeu igual
quantia dos bancos, conforme
o próprio jornal noticiou na
Primeira Página.
Um leitor sugeriu que o título deveria ter sido algo como "Bancos lideram doações
a Lula e Alckmin". Poderia
ser. Mas a manchete da Folha
não está errada, na minha opinião, e por uma simples razão:
Lula ganhou a eleição, e Alckmin perdeu.
O principal foco da imprensa tem de estar em Lula, que
terá a responsabilidade de
presidir o país por mais quatro anos. As doações revelam
os grupos de interesse que cobrarão do próximo governo, e
não do candidato derrotado, as
doações concedidas durante a
campanha eleitoral, no papel a
mais cara de todos os tempos.
É do presidente que se deverá
exigir transparência, impessoalidade e correção nas relações que envolvam os interesses desses doadores.
O jornal divulgou bem, ao
longo da semana, as informações fornecidas pelo TSE sobre os financiamentos e custos
das campanhas. São informações que, embora de interesse
público, eram negadas à população. Mas aponto duas falhas
no trabalho da Folha:
1 - O jornal não divulgou como deveria os dados relativos
à campanha de Alckmin. A
prestação de contas do comitê
tucano foi entregue tarde, na
terça, bem depois do de Lula, e
o jornal só pôde publicar as informações completas sobre as
duas campanhas, com infográficos, na Edição SP. Os leitores
da Edição Nacional (52%) tomaram conhecimento apenas
dos dados detalhados dos doadores de Lula. Era de se esperar, portanto, que o jornal publicasse na quinta-feira os dados de Alckmin na Edição Nacional. Isso não ocorreu, mas
ontem o jornal sanou parcialmente a falha ao revelar as empresas que têm contratos com
o governo de São Paulo e fizeram doações ao tucano.
2 - O jornal aproveitou bem
as informações sobre as empresas que fizeram doações
para os eleitos para o Congresso. Esqueceu, porém, de cruzar os dados que dispõe a respeito dos deputados estaduais
de São Paulo (sede do jornal) e
da bancada federal do Estado.
Que grupos econômicos, sindicais, corporativos ajudaram
a eleger os deputados estaduais? E os federais? Quais serão as bancadas formadas em
torno de interesses específicos
que atuarão acima dos partidos? Com que compromissos
esses parlamentares chegam
ao Legislativo? Essas são informações disponíveis na Justiça Eleitoral ainda em estado
bruto e que deveriam ter uma
atenção especial do jornal porque constituem uma prestação
de serviço aos leitores.
Mesmo a prestação de contas de José Serra (PSDB), o novo governador de São Paulo,
foi pouco explorada pelo jornal ("Em SP, custo das principais campanhas aumenta
83%", em 3 de novembro) e
deveria ser objeto de novo levantamento para uma análise
mais detalhada, como se fez
acertadamente com Lula.
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