São Paulo, domingo, 07 de abril de 2002

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OMBUDSMAN

Massacre

BERNARDO AJZENBERG

É possível que você não saiba, pois a Folha não registrou o evento, mas segunda-feira a polícia encaminhou à Justiça o relatório final sobre a morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André. Ele pede a prisão preventiva de seis homens e a custódia de um menor, que fez os disparos. Ao final do processo, os primeiros podem pegar até 30 anos de prisão; o mais jovem, três anos na Febem.
O documento não traz novidades em relação ao que já se publicou. Sua entrega, porém, formaliza o fim de uma etapa.
Mas não é só: também se enterram as suspeitas que pesaram durante semanas sobre o empresário Sérgio Gomes da Silva, que acompanhava o prefeito na noite do sequestro (18 de janeiro). E este massacre é o tema aqui.
Numa cobertura que lembra o caso da Escola Base (aquele em que a imprensa triturou seis pessoas por causa de suposto abuso sexual contra crianças em 1994), o empresário foi execrado por grande parte da mídia nos dez dias subsequentes ao crime (veja exemplos no quadro ao lado).
Atordoadas por uma onda de violência que levou até mesmo à queda do secretário da Segurança de São Paulo, polícias de diferentes circunscrições fizeram a sua parte: uma trapalhada de investigações, factóides, versões estapafúrdias, pistas furadas.
O PT, partido ao qual Celso Daniel pertencia, perplexo, perdeu-se no início em elucubrações sobre eventual motivação política para o crime. Diante de testemunhos incondizentes, seu "representante" para acompanhar o caso, o deputado Luis Eduardo Greenhalgh, chegou a afirmar, a certa altura, que Silva precisava "se explicar".
Coube, porém, à imprensa a proeza de quase transformar uma vítima em réu.

Nova saraivada
Deixe-se claro que são públicas há dois anos suspeitas de que Silva participou de operações ilícitas relacionadas à Prefeitura de Santo André -tudo a ser ainda provado. Não se está falando, obrigatoriamente, de um santo. E, mesmo no caso Daniel, a palavra final será a da Justiça.
O fato é que, sem indício palpável, a maior parte da imprensa misturou essas suspeitas com o crime contra Daniel. Durante semanas, alimentou irresponsavelmente uma falsa vinculação.
Silva tornou-se, pela mão de TVs, rádios, jornais e revistas, com base em versões de versões ou declarações confusas, o maior suspeito de responsabilidade por um crime que comoveu o país.
Mais grave: por intermédio desse ataque, acabou-se despejando uma segunda saraivada de balas, agora de "efeito moral", contra o prefeito morto, sendo seu ápice a cruel insinuação de que haveria entre os dois uma relação homossexual.
Seria injusto dizer que a mídia atuou de forma homogênea -a Folha e a "Veja", por exemplo, embarcaram menos do que outros veículos na canoa.
Mas ela mostrou, como instituição, mais uma vez e infelizmente, aquilo de que também é capaz: sequestros e assassinatos, só que de reputações.
  Alguns leitores podem estranhar que não abordo o conflito israelo-palestino, fato mais relevante da semana. Mas há um bom motivo (dentro do que pode haver de "bom" nessa tragédia).
Os principais jornais, talvez escaldados pelo 11 de setembro, souberam, com alguma oscilação, dar à cobertura um tratamento equidistante em relação aos dois lados do confronto.
Sinal disso, na Folha, foi que só recebi cinco queixas de leitores -ainda assim, de um lado e de outro. É pouco para assunto tão complexo, polêmico e mobilizador de paixões. Resta verificar se o equilíbrio, raro, difícil e frágil, irá persistir.
Não que inexistam outros problemas importantes. Quanto a estes -didatismo, clareza, ausência de análises, por exemplo-, haverá oportunidade para retomá-los.



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