São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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OMBUDSMAN

Imprensa sob pressão

MARCELO BERABA

A imprensa brasileira acaba de passar por dois testes importantes, as coberturas das eleições no Brasil e nos Estados Unidos. Saiu-se bem? Eu diria que saiu chamuscada, com arranhões e questionamentos.
Cada eleição é uma prova de fogo para qualquer imprensa do mundo que se pretenda séria e responsável. As pressões legítimas de leitores e de candidatos, e de seus partidários, transformam vários momentos da disputa num jogo bruto que exige dos jornais muita serenidade para manter o distanciamento crítico e a cobertura isenta.
Em jornais que têm ombudsman, no Brasil infelizmente apenas três, somos os depositários da ira ou da frustração de leitores, do inconformismo dos candidatos e das reações dos jornalistas. É normal.
Esse embate é ainda mais tenso em São Paulo, e a pressão maior recai sempre sobre a Folha. Foi em São Paulo onde nasceram, e têm fortes raízes, os dois principais partidos que disputam hoje a hegemonia nacional, o PT e o PSDB. Ambos surgiram identificados com a Folha da campanha das Diretas-Já e cobram ambos do jornal, erroneamente, uma fidelidade incompatível com o apartidarismo.
Dito isso, devo informar que a pressão maior, ao longo da campanha deste ano em São Paulo, foi de leitores que consideravam que a Folha teve um comportamento jornalístico pró-tucanos. A maioria dos e-mails que recebi nos últimos meses tinha essa queixa. De 1º de julho para cá, de 472 mensagens arquivadas sobre o caderno Brasil, 326 continham críticas à cobertura eleitoral. Algumas emitidas claramente por militantes petistas; outras, por leitores que se diziam sem partido, mas igualmente insatisfeitos com a cobertura.
Muitas vezes sem motivo. Mas muitas com razão, como assinalei em várias colunas. Em diversas ocasiões faltaram ao jornal equilíbrio nas edições, rigor e precisão nas informações e regularidade na cobertura das políticas públicas estaduais que repercutem na eleição municipal. Inútil voltar aos exemplos.
Finda a eleição municipal, o interesse dos leitores da Folha se volta agora para a cobertura do novo governo. É de se esperar que seja igualmente atenta e crítica. Muitos leitores, alguns por birra ou ironia, outros por curiosidade, perguntaram ao longo destes meses por que a Folha não declarava apoio explícito a um candidato, como fez o "Estado" em favor de José Serra, e fizeram quase todos os jornais dos Estados Unidos.
A melhor pessoa para responder à essa questão, e às críticas que, durante a eleição, encaminhei em meu nome e em nome dos leitores, é o diretor de Redação do jornal, Otavio Frias Filho: "Há jornais que declaram seu voto em editorial. Acho legítimo, mas essa não é a tradição da Folha. Embora o jornal emita suas opiniões todos os dias em editoriais, preferimos não nos atrelar a esta ou àquela candidatura, a fim de resguardar ainda mais a autonomia do jornal em relação a grupos e partidos.
Respeito a opinião de quem pensa diferente, mas acredito que a cobertura da Folha a respeito das eleições municipais foi equilibrada e isenta. Jornalismo não é ciência exata, de modo que sempre há controvérsias e interpretações divergentes. Mas penso que a Folha se manteve fiel a seu compromisso com um jornalismo apartidário e crítico. Pretendemos dedicar, à futura gestão José Serra na Prefeitura de São Paulo, tratamento semelhante ao dispensado à gestão da prefeita Marta Suplicy".
A função do ombudsman não é a de defender este ou aquele interesse de grupo, mas a de zelar para que o jornal ofereça a seus leitores informação de qualidade, coberturas equilibradas e pluralidade de temas, enfoques, análises e opiniões. É o que tento fazer.
O que me parece novo no relacionamento da sociedade com a imprensa, e não está restrito à cobertura eleitoral, é a pressão organizada por meio de observatórios e institutos de monitoramento. Na minha opinião, a pressão por equilíbrio, qualidade e pluralidade tende a crescer, e os jornais terão de estar preparados. Esses instrumentos de vigilância devem se multiplicar e abranger todas as áreas do jornalismo. Se sérios, poderão ter influência crescente nos meios de comunicação.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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