São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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OMBUDSMAN

Terroristas, extremistas, radicais

MARCELO BERABA

A Folha publicou, no dia 30 de julho, sexta-feira, carta do leitor Nassib Rabeh que mexeu com um vespeiro.
Ele questionou o termo "terrorista" que a Folha costuma usar para identificar grupos armados, como a Brigada de Mártires de Al Aqsa e o Hamas, que resistem à ocupação da Palestina por parte de Israel.
O leitor comparou o tratamento dado pela Folha em reportagem do dia 26 de julho ("Israelenses fazem ato contra saída de Gaza", pág. A8 de Mundo) com o de dois outros jornais, o "Estado" e o francês "Le Monde".
A Folha informa que Israel matou "seis membros do grupo terrorista Brigadas dos Mártires de Al Aqsa". O "Estado" se refere a "militantes das Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, braço armado da facção Fatah, do líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat". "Le Monde", segundo o leitor, não usa a palavra terrorista e identifica como "grupo armado".
No final de sua carta, Rabeh pergunta: "Se a Folha considera que todo grupo de resistência palestino é terrorista, não seria correto expressar esse ponto de vista aos leitores em vez de fazer-nos considerar que essa denominação vem das agências internacionais?". O jornal respondeu com uma Nota da Redação: "A Folha considera terroristas grupos que atacam civis de forma deliberada".
A nota provocou reações a favor e contra o posicionamento da Folha, e o jornal publicou algumas destas manifestações no seu "Painel do Leitor" no domingo (uma contra e uma a favor), na terça (contra) e na sexta-feira (uma contra e outra a favor).
Jayme Blay, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, elogiou o jornal "por ter sabido responder (...) às distorções claramente propositais do leitor Nassib Rabeh que, para fazer isso, se utiliza do palavreado de alguns grandes veículos que transformam terroristas em heróis"."
O leitor Jairo Luis de Mattos questionou o jornal: "Se a Folha considera grupos armados que atacam civis terroristas, deveria, por coerência, sempre se referir ao Exército de Israel como "Exército terrorista", pois estão sempre atacando, matando e ferindo civis".
E agora?

As diferenças
A cobertura de conflitos como o da Palestina exige um grande cuidado. Como em toda guerra, os lados envolvidos utilizam todos os recursos para ganhar a opinião pública.
A busca do equilíbrio e da imparcialidade fica ainda mais difícil porque a Folha não tem correspondente na região. Ela depende das agências internacionais. E as informações, às vezes, são desencontradas.
Vamos analisar a reportagem citada pelo leitor. A nota resume três notícias distintas: a manifestação de israelenses, que protestavam contra a retirada das tropas de Israel da faixa de Gaza no ano que vem; o temor do governo israelense de que "extremistas judeus realizem um atentado contra a Esplanada das Mesquitas", em Jerusalém; e a referência às Brigadas.
Na Folha, esta última informação saiu assim: "Também ontem, Israel matou seis membros do grupo terrorista Brigadas dos Mártires de Al Aqsa em ação em Tulkarem, na Cisjordânia ocupada". O "Estado" tem a informação um pouco diferente: "Soldados israelenses mataram a tiros seis palestinos (dois comandantes e três militantes de um grupo extremista e um pedestre) (...)". Um dos mortos, portanto, não poderia ser chamado de extremista ou terrorista.
"O Globo" dá a mesma informação da Folha, mas muda o adjetivo: "(...) forças israelenses mataram seis radicais palestinos, incluindo dois líderes locais (...)". Não consegui recuperar o texto do "Monde". "El País", da Espanha, informou que "seis palestinos morreram por disparos de soldados israelenses (...) segundo fontes da segurança palestina, que acrescentaram que alguns dos mortos eram membros das Brigadas (...)".
Só neste pequeno exemplo vemos como os jornais tratam de forma distinta o mesmo assunto, e como as informações que transmitiram são diferentes. Na Folha, foram seis terroristas mortos; no "Estado", cinco extremistas e um pedestre; no "Globo", seis radicais; e no "El País", seis palestinos, sendo que apenas "alguns" eram membros das Brigadas.

Carga ideológica
A Folha, no "Manual da Redação", orienta seus jornalistas para que usem termos como terrorista ou guerrilheiro "apenas em sentido técnico, evitando a carga ideológica positiva ou negativa" (vide verbete acima). Como vimos no exemplo analisado, é praticamente impossível evitar essa carga ideológica.
Suzana Singer, secretária de Redação da Folha, diz que o jornal "está sempre aberto ao debate e procura ser sensível às transformações na dinâmica dos grupos sociais", mas que o princípio definido no "Manual" "segue norteando a visão da Folha sobre essa questão".
Questionada se, pelos critérios adotados, as ações de Israel também podem ser classificadas de terroristas, ela responde: "Na visão da Folha, o atual governo israelense pratica atos que eqüivalem aos adotados por grupos terroristas -ou seja, adota ações violentas contra alvos civis". E faz uma observação: "Note que o termo terrorista no verbete do "Manual" pode se referir a indivíduos, organizações e governos -não a Estados".
O editor de Internacional do "Estado de S. Paulo", Paulo Eduardo Nogueira, explica por que, nestes casos, o jornal não usa "terrorista": "A editoria considera que "terrorista" é um rótulo e, como tal, acaba assumindo a caracterização que um lado em conflito faz do adversário, afastando-se portanto da cobertura equilibrada. Usamos termos como militantes, extremistas, radicais para caracterizar os grupos palestinos e evitar cair no rótulo aplicado por um dos lados. Esse padrão, é bom ressaltar, é utilizado pela esmagadora maioria da imprensa de qualidade mundial, como "The New York Times", "Washington Post", BBC, "The Guardian" e outros".
A editora de Internacional do "Globo", Sandra Cohen, explica seus critérios: "Nós usamos o bom senso, de acordo com o fato que relatamos. Na maioria das vezes, nós nos referimos ao Hamas e às Brigadas como grupos extremistas ou radicais. Usamos o termo terrorista para relatar atentados ou ações específicas levadas a cabo por esses grupos contra a população civil em Israel".
Acho que a Folha precisa ter mais cuidado no uso das palavras e no cruzamento de informações para garantir tratamento igual às partes envolvidas. Não deve hesitar em condenar os atos de terror, mas deve ter cautela ao identificar os personagens dos dois lados. O que está em jogo é o futuro de dois povos e a imagem deles entre os leitores brasileiros.
Essa discussão, evidentemente, não termina aqui.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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