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Diário da máfia
RENATA LO PRETE
Entre erros e acertos, a Folha
vem procurando mostrar que
enfim se recupera da negligência com que inicialmente tratou
o noticiário da chamada máfia
da propina.
O jornal trouxe, em especial
nas últimas duas semanas, algumas reportagens que revelam
disposição para investigar a
fundo o esquema que tomou
conta da prefeitura paulistana,
em vez de se dar por satisfeito
colecionando casos de fiscais
corruptos e detalhes da vida
amorosa de vereadores.
Na edição de quarta-feira
passada, o mais recente desses
esforços resultou na identificação do motorista de Nicéa Pitta
entre as pessoas que recebem
salário do Anhembi sem trabalhar na empresa,
um dos cabides de
emprego da administração municipal.
É preciso, no entanto, que a Folha
não se deite sobre
o que já conseguiu. Os buracos
na cobertura ainda são muitos.
Um exemplo é a
mal contada história do dossiê que
Celso Pitta entregou na quinta-feira ao Ministério
Público.
Essa coleção de
papéis começou a
semana nas manchetes, com um
amigo-advogado
do prefeito anunciando que este se
libertara do malufismo e entregaria
o ex-chefe.
Mais do que depressa, Pitta esvaziou a declaração
e a expectativa em
torno do dossiê.
Quatro dias depois, o caso estava
na metade inferior da página e o
amigo-advogado
havia sumido do
jornal.
O leitor ficou
sem entender se
Pitta de fato pretendia atirar Maluf aos promotores, mas recuou, ou se havia
algum outro tipo de negociação
em curso.
Há nesse noticiário um mundo de bastidores políticos que a
Folha até agora mal arranhou.
Ele inclui tratativas reservadas
entre Maluf e Pitta e costuras
no PFL para formar o governo
de Régis de Oliveira caso venha
o impeachment.
O leitor pouco sabe de tudo isso. É bem possível que os jornalistas, em tese encarregados de
contar a história, estejam na
mesma situação.
A Folha não fez serviço completo nem no melhor momento
de sua reportagem até agora,
que foi o mapeamento de outro
cabide de empregos da prefeitura, a Prodan.
Outros jornais já haviam relatado casos de irregularidades
na folha de pagamentos da empresa, que presta serviços na
área de informática.
O "Diário Popular" chegara a
publicar uma relação de funcionários.
Mas a Folha foi além. Conseguiu uma lista onde apareciam
cargos de confiança que haviam sido expurgados da versão anterior.
Em vez de simplesmente atirar a penca de nomes sobre o
leitor, o jornal realizou um cuidadoso trabalho de edição, selecionando os personagens relevantes e identificando suas relações de parentesco e/ou apadrinhamento político.
Da pescaria saíram, entre outros, quatro secretários municipais, o ex-secretário (agora indiciado) Alfredo Mário Savelli,
o ex-vice-prefeito Sólon Borges
dos Reis, subordinados da primeira-dama e ex-funcionários
de administrações regionais.
Em resumo, "homens de Pitta,
Maluf e até envolvidos na máfia", como dizia o título da reportagem, publicada no dia 31
de março.
Todo esse empenho elucidativo desapareceu na edição seguinte, quando a Folha informou que havia descoberto três
funcionários da Prodan cedidos
ao Instituto de Previdência Municipal, onde eram "fantasmas".
Embora frisasse que os três
eram "muito bem remunerados", o jornal se limitou a despejar seus nomes em um texto
no pé da página: Luiz Fernando
de Oliveira Campos, Denise Tamanaha e Patrícia Sales R.
Gonçalves.
Em contraste com o que foi
feito no dia anterior, não se esclareceu quem são essas pessoas
e que esquema permitiu que recebessem sem trabalhar.
A Folha ficou devendo informações a seu leitor.
Ele só confiará na disposição
investigativa do
jornal se os resultados desse trabalho atingirem
indistintamente
todos os envolvidos em irregularidades.
Se não for assim, o leitor poderá se perguntar
se o jornal não
pratica a mesma
encenação de que
são acusadas a
CPI e outras instâncias condutoras das apurações.
Não é fácil se livrar de uma obsessão, o que pode ser constatado
pelo espaço que a
Folha ainda desperdiça com detalhes do romance entre o vereador Vicente Viscome e sua ex-assessora Tânia de
Paula.
O assunto já envelheceu como
piada, que dirá
como notícia,
mas o jornal não
desiste.
Na terça-feira,
tomou emprestada uma entrevista com Tânia feita pelo "Notícias
Populares", jornal do mesmo
grupo que edita a Folha.
No pingue-pongue, ela respondia questões como: "Você
está com saudades? Quer ver e
abraçar o Viscome? E o sexo,
era bom?"
Pode parecer moralismo, mas
o problema é de outra natureza. Diz respeito ao fato de que a
Redação por vezes ignora que
tipo de jornal faz, e para que
leitor.
Indica também que talvez a
Folha ainda não saiba direito o
que está procurando no escândalo da máfia.
Desculpem o nosso furo
Está na hora de a Folha refletir sobre como vem editando o
"outro lado" de reportagens de
alguma forma embaraçosas para os poderosos.
Para falar logo no mais trovejante deles, tomo como exemplo
a história de que Antonio Carlos Magalhães tem 11 parentes
ocupando cargos públicos na
Bahia.
A reportagem, corretamente
acompanhada de um texto em
que o presidente do Congresso
era ouvido e minimizava as
constatações do jornal, foi publicada na quinta-feira.
Fazê-la foi uma providência
acertada, seja para oferecer um
contraponto à cruzada do senador contra a corrupção e o nepotismo no Poder Judiciário,
seja para escapar um pouco do
servilismo incondicional e festivo que marca as relações da imprensa com ACM.
No dia seguinte veio um novo
"outro lado", desta vez em alto
de página. Até aí, tudo mais ou
menos compreensível, dada a
importância do personagem da
notícia.
O que incomodava, no entanto, era o tom do texto.
Verborragia à parte, as declarações de ACM não derrubavam
nenhuma das informações reveladas pela Folha.
Apesar disso, o texto praticamente não defendia o que foi
publicado, limitando-se a empilhar aspas em que o senador
atacava o jornal.
A Folha nem ao menos lembrou o número de parentes que
havia descoberto, como se pedisse desculpas pelo que escreveu.
Não é a primeira vez que esse
tipo de coisa acontece.
Há algumas semanas houve o
caso de Paulo Maluf e sua alegada filha.
Um dia depois de noticiar
com destaque a acusação do suposto avô (devidamente acompanhada da negativa de assessor do ex-prefeito), o jornal deu
praticamente a capa inteira do
caderno São Paulo para Maluf
se defender e atacar adversários.
Se o espaço exagerado era, até
certo ponto, tolerável diante da
gravidade da acusação, o mesmo não pode ser dito do caráter
dos textos reunidos na página.
Como no episódio de ACM,
eram filiados à escola de jornalismo "ligue o gravador e deixe
falar".
No dia seguinte, o jornal passou pelo constrangimento de
ver o "Estado" tirar Maluf do
sério em sua entrevista, na qual
o ex-prefeito soltou a declaração que precipitou a saída de
Celso Pitta do PPB.
"Outro lado" é importante.
Basta que não engula os demais.
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