São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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OMBUDSMAN

O mau jornalismo e a liberdade de imprensa

MARCELO BERABA

A reportagem "Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional", do jornalista Larry Rohter, correspondente do "New York Times" no Brasil, foi o assunto da semana. Disponível no sábado, 8, no site do jornal americano e publicada no domingo, ela gerou imediata reação do governo brasileiro, que a considerou uma manifestação de "calúnia, difamação e preconceito". Na terça-feira, Rohter teve seu visto de permanência no Brasil cancelado. A discussão, que no início da semana estava centrada no aspecto jornalístico do texto, virou um grande debate sobre liberdade de expressão. Na sexta, o jornalista enviou carta ao governo que foi entendida como uma retratação, e o caso parece encerrado.
Antes de analisar o comportamento da Folha no episódio, vou dar a minha opinião sobre alguns aspectos.
1 - O assunto era pertinente? Um jornalista deve se preocupar com os hábitos ou se interessar pela vida privada de um homem público? Acredito que sim. Como escreveu a advogada Taís Gasparian quinta-feira nesta Folha, "como homem público, sua esfera de privacidade é reduzida, pois seus atos importam à nação".
2 - A reportagem do "NYT" foi bem-feita? Não. Sob o ponto de vista, jornalístico ela é malfeita. É uma colagem de opiniões (o que chamamos no jargão jornalístico, pejorativamente, de recortagem), não há informações novas, as fontes citadas não são corretamente identificadas para que o leitor possa julgar o peso de suas opiniões ou informações e não há o relato de nenhum fato que dê consistência às duas afirmações mais relevantes do texto: a de que o hábito de beber possa estar afetando a performance de Lula no cargo e a de que esse hábito tenha virado uma preocupação nacional.
3 - Foi correta a reação do governo brasileiro à publicação da reportagem? Acho que não. Desde o início, sua resposta foi desproporcional e ajudou a inchar um caso que não tinha tido repercussão na imprensa internacional e que, internamente, tinha atraído o repúdio até da oposição. A decisão de cassar o visto de Rohter foi um erro. Não sob o ponto de vista da imagem do governo, porque esse é um problema do governo, mas sob o ponto de vista da democracia e de suas liberdades. O presidente (não a nação) se sentiu ofendido em sua honra e deveria procurar reparação na Justiça.
4 - A reação da imprensa contra a expulsão foi corporativa? Não acho. É um erro considerar as liberdades de expressão e de imprensa privilégios dos jornalistas. São conquistas democráticas, no nosso caso obtidas com muitas dificuldades, que garantem o mínimo de fiscalização sobre governos cada vez mais fortes e sem controle.


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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
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