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OMBUDSMAN
Um modelo falido
MARCELO BERABA
A eleição , terça pela manhã, do deputado Severino
Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara não foi
uma surpresa apenas para o governo Lula. Os grandes jornais
brasileiros -Folha, "Estado" e
"Globo"- também fracassaram. Não porque não apontaram antecipadamente a vitória
do deputado, mas porque foram
incapazes de perceber a dimensão do fenômeno político que estava sufocado nas bases do Legislativo.
Reli, para fazer esta crítica, todas as reportagens publicadas
pelos três jornais a partir do dia
25 de janeiro. Ao longo das últimas semanas, esses diários gastaram tempo, papel e tinta com
declarações e avaliações oficiais,
com detalhes sem importância e
com informações evidentemente
plantadas. O resultado, com raríssimas exceções, foi um jornalismo superficial, repetitivo, chato e dispensável.
Os erros
Aponto, a seguir, alguns erros
que percebi nas coberturas. Minha referência principal é a Folha, mas os outros jornais tiveram problemas semelhantes.
1 - Os jornais não acreditavam
que o candidato oficial do PT,
Luiz Eduardo Greenhalgh, pudesse perder porque se acomodaram na tese de que historicamente o partido majoritário
vence e porque se fiaram nas
avaliações oficiais. Admitiram,
no limite, a possibilidade de o
deputado Virgílio Guimarães,
dissidência petista, disputar o
segundo turno com Greenhalgh.
No domingo 13, véspera da
eleição, o editorial da Folha
"Disputa na Câmara" reflete a
crença: "(...) a cúpula petista
preferiu cautelosamente evitar
ameaças a Virgílio, mesmo porque não está afastada a possibilidade de que ele vença a eleição.
Essa hipótese -ou a improvável
derrota de Greenhalgh para outro candidato- representaria
uma derrota política para o comando petista (...)."
2 - A cobertura captou desde
logo a importância do racha que
dividiu o PT com a candidatura
dissidente, mas ficou restrita à
briga interna do partido, e não
soube perceber as conseqüências
do fato dentro da Câmara. O foco ficou o tempo todo nas manobras para fortalecer a candidatura oficial e nas ameaças de punição ao candidato dissidente.
As outras candidaturas foram
ignoradas.
3 - As fontes foram sempre as
mesmas: os candidatos petistas e
seus entornos, os presidentes e líderes dos partidos aliados ao governo e da oposição assumida
(PFL, PSDB e parte do PMDB) e
ministros do Planalto. Não há
uma reportagem que duvide dos
cálculos oficiais e percorra os gabinetes e corredores da Câmara
para falar com os anônimos que
formam o "baixo clero".
4 - Os jornais, cegos pela certeza de que o candidato do partido
majoritário nunca perde, ignoraram os indícios de que as coisas não iam bem para Greenhalgh por conta daquilo que o
presidente eleito chamou de insatisfação generalizada dos deputados. E foram vários os indícios. Cito dois mais recentes.
No sábado 12, antevéspera da
eleição, o "Painel" da Folha publicou a nota "Azarão": "Um fator quase imponderável na corrida de cavalos da Câmara é o
desempenho de Severino Cavalcanti (PP-PE). Alguns deputados estimam que o "rei do baixo
clero" teria ampliado sua base
de apoio nos últimos dias, avançando sobre o eleitorado de Virgílio Guimarães (PT-MG)".
Na mesma edição, ao reportar
uma reunião da campanha de
Greenhalgh e a preocupação dos
petistas, o jornal informou: "O
crescimento de Cavalcanti, aliás,
foi tema das conversas no encontro. Um dos líderes afirmou que
não será surpresa se ele, que tem
como bandeira de campanha a
elevação do salário de deputados, ganhar de Virgílio."
5 - Diante desses indícios e da
importância da disputa, era de
se esperar que no fim de semana
os jornais lançassem a campo
seus principais repórteres de política para um último trabalho
de perscrutação, algo que permitisse oferecer aos leitores, na segunda-feira da eleição, um relato mais preciso do que de fato
ocorria na Câmara. Isso não foi
feito. As reportagens de segunda
são aspas e aspas e não acrescentaram nada.
6 - Por fim, uma crítica que vale para todos os jornais, mas que
cabe particularmente à Folha
porque abandonou uma tradição de planejamento das edições.
O jornal tinha a obrigação de ter
publicado no domingo ou na segunda-feira uma apresentação
decente dos cinco candidatos.
Uma apresentação decente significava informar o que pensam os
candidatos, o desempenho que
tiveram no Legislativo, os bens
declarados à Justiça Eleitoral e
um perfil.
Ao longo da campanha, o jornal tentou ressuscitar o caso Lubeca, que envolve o deputado
Greenhalgh. Nada contra. Mas o
mesmo cuidado deveria ter tido
com os outros candidatos. Só depois da eleição os leitores souberam que o deputado Severino
Cavalcanti defende idéias conservadoras, que não guarda dinheiro em casa e que passou cheques sem fundos.
A bem da Justiça, a exceção foi
a coluna de Janio de Freitas em
20 de janeiro que traçava um
breve, mas bem informado, perfil
do deputado Severino, prova de
que o jornalista levou a candidatura a sério.
Reflexão
Os erros que os jornais cometeram não são exclusividade desta
cobertura, mas vêm se repetindo
e apontam para a falência de um
modelo de acompanhamento da
política nacional que domina
hoje as grandes e médias Redações do Rio, de São Paulo e de
Brasília. Os jornais deveriam
aproveitar a oportunidade para
uma reflexão séria sobre os rumos do jornalismo político.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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