São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

Próximo Texto | Índice

OMBUDSMAN

Bananas e maçãs

BERNARDO AJZENBERG

Pelo menos duas novidades devem fazer diferença, neste ano, em relação à divulgação de pesquisas eleitorais.
Até 2000, a regra era que a Folha tinha a exclusividade para divulgação dos levantamentos do Datafolha, por exemplo. A não ser que "vazassem" por algum canal irregular, seus resultados só eram conhecidos quando o primeiro exemplar saía das rotativas.
Já a pesquisa divulgada no último dia 10 saiu simultaneamente nos jornais concorrentes. Mais do que isso: por decisão do próprio instituto, estava na internet e nos telejornais na noite anterior.
Da mesma maneira, a Folha, que antes costumava registrar os números de outros institutos apenas em pequenas notas ou na seção Painel, passou a divulgá-los mais visivelmente, como notícia.
Assim, do ponto de vista jornalístico, a questão das pesquisas eleitorais passa a requerer neste momento um novo enfoque. Não mais o do "furo", da exclusividade -todos divulgarão ao mesmo tempo, em tese, as mesmas estatísticas básicas-, mas o da capacidade de detalhamento, análise e aprofundamento dos dados coletados.
Aumenta, então, a responsabilidade de cada veículo, em especial a da própria Folha.

Ibope
Na terça-feira passada, os jornais publicaram a última pesquisa presidencial do Ibope, com um cenário que excluía a ex-governadora Roseana Sarney. Foi a primeira desde a retirada oficial de sua pré-candidatura.
O título da reportagem, na Folha, foi: "Pesquisa Ibope registra empate técnico entre Serra e Garotinho" (veja ao lado).
Na crítica interna, questionei se o mais adequado não teria sido destacar no título que Ciro Gomes (PPS), com 11%, e Lula (PT), com 35%, haviam crescido, pois tinham 8% e 27% respectivamente no levantamento anterior (março). Essa seria a novidade, posto que Serra e Garotinho já apareciam empatados no mês passado.
Defendendo sua opção, a Redação ponderou que seria errado comparar os dois levantamentos, pois se trata de simulações diferentes. Havia um cenário sem Roseana na pesquisa de março, mas ele incluía Itamar Franco (PMDB) e Enéas (Prona), entre outros, agora retirados. Contrapor uma pesquisa à outra seria misturar banana com maçã.
Concordo que evitar tal mistura é, até mesmo, questão de bom senso.

Transparência
A mesma pesquisa foi divulgada pelo "Globo", mas com outra apresentação: pegaram-se os dados de dezembro e março para formar uma curva de queda ou ascensão dos pré-candidatos. E aí reside um problema.
Não fica claro, na publicação, mas o cenário escolhido para retratar nessa curva a situação em meados de março, por exemplo, inclui Roseana (13%), Itamar (5%), Enéas (2%), entre outros (peguei os dados no site do Ibope), todos limados, com os respectivos números, na confecção do gráfico.
Não por acaso, a soma de Lula, Serra, Garotinho e Ciro atinge ali só 60%, ante os 81% de agora.
Pode-se argumentar que o que fez o jornal do Rio foi simplesmente comparar o retrato "real" anterior (quando Roseana e Itamar estavam na corrida) com o quadro "real" das atuais pré-candidaturas, não havendo lei da estatística que o proíba. Não seria misturar banana com maçã, mas apenas comparar duas situações de momento, uma tão "real" quanto a outra.
Pode ser. Mas, nesse caso, faltou, no mínimo, expor com transparência os cenários de pré-candidatos usados para fazer aquelas curvas. Os especialistas em estatística certamente debaterão muito o assunto.
Afastado até segunda ordem o trunfo do "furo", o desafio dos jornais no que toca às pesquisas na campanha eleitoral estará aí: no tratamento dos dados, na sua interpretação e na transparência, que deveria ser radical, com que eles serão veiculados.
Se destaco o tema desde já, é para alertar os leitores: toda atenção será pouca, nos próximos meses, para não se deixar levar por números ou interpretações ilusórias.



Próximo Texto: Golpe e contragolpe
Índice


Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.