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Vendendo o peixe
Uma útil e feliz edição do Informática, na quarta-feira, incita, porém, uma discussão para a
Folha e para o jornalismo.
Sob o título "Meu site predileto", dezenas de personalidades
(artistas, esportistas, economistas, escritores) davam dicas, no
suplemento, de sites interessantes sobre assuntos relacionados a
suas respectivas áreas.
Na rubrica "Economia", um
dos consultados foi Luís Nassif,
ali apresentado como "colunista
da Folha".
Suas indicações, de quatro sites, não despertariam, necessariamente, atenção especial, salvo
por um aspecto: o quarto site sugerido, chamado "Projeto Brasil", é uma iniciativa da Dinheiro Vivo Agência de Informações,
empresa do próprio colunista.
Trata-se de um site voltado para acompanhamento e debate
sobre políticas públicas e desenvolvimento nacional.
Na crítica interna, indaguei,
por isso, se essa opção não refletia "traços de autopromoção"
por parte do jornalista.
Esse não é, de modo algum, um
caso totalmente isolado.
De forma mais ou menos sistemática, com maior ou menor intensidade, colunistas usam o espaço fixo no jornal para promover iniciativas ou negócios pessoais -cujo mérito, deixe-se claro, não está em questão aqui.
Tempos atrás, comentei em
crítica interna a inadequação de
regularmente se adicionar ao
chamado "pé biográfico" o endereço eletrônico de algum site que
não tem nada a ver com o tema
do artigo nem com o jornal, mas
que divulga algo de interesse pessoal do autor.
Isso ocorre, por exemplo, no caso do economista Luiz Carlos
Mendonça de Barros, que divulga sob sua coluna, em "Opinião
econômica", o endereço de uma
revista de sua propriedade.
Outra modalidade é difundir,
no texto, projetos ou trabalhos
que o autor dirige ou de que faça
parte, como já houve mais de
uma vez no caso do colunista
Gilberto Dimenstein -como
Nassif, membro do Conselho
Editorial da Folha- em relação
a uma organização não-governamental.
O caso destacado em Informática adiciona uma particularidade: não há, ali, nenhum sinal de
que o site sugerido pertence ao
próprio indicante. À autopromoção, soma-se, assim, falta de
transparência.
"Legítimo"
Questionado sobre isso, Nassif
argumenta que o site foi lançado
há tempos e ele em nenhum momento usou a coluna, em Dinheiro, para promovê-lo. "Acho
que seria legítimo, até, visto que é
um site de discussão de políticas
públicas, temas da minha coluna", afirma o jornalista.
"No caso de Informática",
acrescenta, "fui consultado, não
como colunista da Folha, mas
como usuário de internet. Como
colunista, tenho o meu espaço e
não o utilizei, embora pudesse.
Como usuário da internet, recomendo, sim, uso regularmente e
está sendo o melhor site colaborativo de trabalhos ligados a políticas públicas".
Um dos mais prestigiados analistas econômicos do país, Nassif
é também jornalista preocupado
com assuntos da própria mídia.
Quando comentei a questão
dos endereços eletrônicos de negócios pessoais (problema mencionado acima), entrou em contato comigo e afirmou que já havia mandado retirar o de sua
agência mas que ele continuara
alguns dias na coluna, em Dinheiro, à sua revelia.
Da mesma forma, semanas
atrás (18/11), ante uma carta no
Painel do Leitor que corretamente questionou a Folha sobre a
existência de uma parceria entre
o "Projeto Brasil" e a Secretaria
Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
do governo federal -fato delicado para um jornal que se aferra
ao princípio da independência-, Nassif expôs sua explicação ("o convênio visou exclusivamente disponibilizar os temas
de discussão do CDES em uma
área do site, ampliando o fórum
de discussão").
São duas coisas distintas, claro.
Além disso, num caso -autopromoção- como no outro
-convênio com o governo-,
nem tudo é só branco ou preto; a
discussão, ao contrário, se pertinente e necessária, é também
bastante complexa.
Na minha opinião, a riqueza
que os colunistas da Folha constituem para o debate público e
pluralista de idéias, dentro do espaço jornalístico, não deveria
deixar-se macular por tais procedimentos.
Independentemente das boas
intenções, arrisca-se, com eles, a
imagem do jornal, cujas páginas
não formam um mercado onde
cada um, além de expor idéias,
aproveita para armar a barraca
e, literalmente, vender seu peixe.
A própria Folha, cabe acrescentar, tem a responsabilidade
de impedir que isso aconteça.
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