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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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Vendendo o peixe

Uma útil e feliz edição do Informática, na quarta-feira, incita, porém, uma discussão para a Folha e para o jornalismo.
Sob o título "Meu site predileto", dezenas de personalidades (artistas, esportistas, economistas, escritores) davam dicas, no suplemento, de sites interessantes sobre assuntos relacionados a suas respectivas áreas.
Na rubrica "Economia", um dos consultados foi Luís Nassif, ali apresentado como "colunista da Folha".
Suas indicações, de quatro sites, não despertariam, necessariamente, atenção especial, salvo por um aspecto: o quarto site sugerido, chamado "Projeto Brasil", é uma iniciativa da Dinheiro Vivo Agência de Informações, empresa do próprio colunista.
Trata-se de um site voltado para acompanhamento e debate sobre políticas públicas e desenvolvimento nacional.
Na crítica interna, indaguei, por isso, se essa opção não refletia "traços de autopromoção" por parte do jornalista.
Esse não é, de modo algum, um caso totalmente isolado.
De forma mais ou menos sistemática, com maior ou menor intensidade, colunistas usam o espaço fixo no jornal para promover iniciativas ou negócios pessoais -cujo mérito, deixe-se claro, não está em questão aqui.
Tempos atrás, comentei em crítica interna a inadequação de regularmente se adicionar ao chamado "pé biográfico" o endereço eletrônico de algum site que não tem nada a ver com o tema do artigo nem com o jornal, mas que divulga algo de interesse pessoal do autor.
Isso ocorre, por exemplo, no caso do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que divulga sob sua coluna, em "Opinião econômica", o endereço de uma revista de sua propriedade.
Outra modalidade é difundir, no texto, projetos ou trabalhos que o autor dirige ou de que faça parte, como já houve mais de uma vez no caso do colunista Gilberto Dimenstein -como Nassif, membro do Conselho Editorial da Folha- em relação a uma organização não-governamental.
O caso destacado em Informática adiciona uma particularidade: não há, ali, nenhum sinal de que o site sugerido pertence ao próprio indicante. À autopromoção, soma-se, assim, falta de transparência.

"Legítimo"
Questionado sobre isso, Nassif argumenta que o site foi lançado há tempos e ele em nenhum momento usou a coluna, em Dinheiro, para promovê-lo. "Acho que seria legítimo, até, visto que é um site de discussão de políticas públicas, temas da minha coluna", afirma o jornalista.
"No caso de Informática", acrescenta, "fui consultado, não como colunista da Folha, mas como usuário de internet. Como colunista, tenho o meu espaço e não o utilizei, embora pudesse. Como usuário da internet, recomendo, sim, uso regularmente e está sendo o melhor site colaborativo de trabalhos ligados a políticas públicas".
Um dos mais prestigiados analistas econômicos do país, Nassif é também jornalista preocupado com assuntos da própria mídia.
Quando comentei a questão dos endereços eletrônicos de negócios pessoais (problema mencionado acima), entrou em contato comigo e afirmou que já havia mandado retirar o de sua agência mas que ele continuara alguns dias na coluna, em Dinheiro, à sua revelia.
Da mesma forma, semanas atrás (18/11), ante uma carta no Painel do Leitor que corretamente questionou a Folha sobre a existência de uma parceria entre o "Projeto Brasil" e a Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, do governo federal -fato delicado para um jornal que se aferra ao princípio da independência-, Nassif expôs sua explicação ("o convênio visou exclusivamente disponibilizar os temas de discussão do CDES em uma área do site, ampliando o fórum de discussão").
São duas coisas distintas, claro. Além disso, num caso -autopromoção- como no outro -convênio com o governo-, nem tudo é só branco ou preto; a discussão, ao contrário, se pertinente e necessária, é também bastante complexa.
Na minha opinião, a riqueza que os colunistas da Folha constituem para o debate público e pluralista de idéias, dentro do espaço jornalístico, não deveria deixar-se macular por tais procedimentos.
Independentemente das boas intenções, arrisca-se, com eles, a imagem do jornal, cujas páginas não formam um mercado onde cada um, além de expor idéias, aproveita para armar a barraca e, literalmente, vender seu peixe.
A própria Folha, cabe acrescentar, tem a responsabilidade de impedir que isso aconteça.



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