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Episódio 1 - A ameaça no Planalto
RENATA LO PRETE
Esqueça a semifinal da Taça
Libertadores e o novo episódio
de "Guerra nas Estrelas". O
confronto do momento se dá
entre "desenvolvimentistas" e
"monetaristas".
Ele não é novo, mas a atual
temporada de hostilidades teve
início na segunda-feira passada, com declarações de Luiz
Carlos Mendonça de Barros em
nome do primeiro grupo.
Nesse dia, vários jornais trouxeram entrevistas com o ex-ministro, recém-escolhido "porta-voz econômico" do PSDB.
À Folha, Mendonça de Barros
previu que, "dentro de mais
um, dois meses", o governo federal terá condições de "ser
mais pró-ativo" no estímulo ao
crescimento econômico.
Afirmou ainda que, já no ano
passado, defendia a tese de que
o país tem "de passar de uma
macroeconomia da estabilidade para uma do desenvolvimento".
O atingido respondeu nas edições do dia seguinte. O ministro
da Fazenda, Pedro Malan, atacou o "debate desfocado" e, sem
citar nomes, apontou "nostalgia dos anos 50" nas opiniões de
Mendonça de Barros.
A partir daí, a semana abrigou um festival de estocadas
envolvendo personagens do governo de Fernando Henrique
Cardoso.
Por que isso está acontecendo
exatamente agora, quando o
Planalto mal se desembaraçou
de seu pior momento na CPI
dos Bancos, é apenas uma das
coisas que a imprensa ainda
não conseguiu explicar direito.
"Desenvolvimentistas" x "monetaristas" (ou "neoliberais",
como preferem alguns) é um
embate de muitas sílabas e pouco esclarecimento.
O assunto parece feito sob medida para a Folha se exercitar
na tarefa, descrita em seu projeto editorial, de tornar a informação "mais compreensível em
seus nexos e articulações".
Até agora, porém, o jornal
não chegou a tanto, como notou uma leitora que me escreveu na quarta-feira:
"Em vez de nos colocar como
espectadores de uma luta da
qual não participamos, a Folha
deveria nos dar informações
para elaborar nossa própria
opinião a respeito do tema."
"Mas as reportagens são fracas. Repisam argumentos que
todos já conhecemos contra ou a
favor do desenvolvimento."
Ela também critica o jornal
por "reforçar uma polarização",
tratando do caso "como sinal
externo de luta pelo poder no interior do governo".
Discordo do segundo ponto. A
luta de que fala a leitora existe,
não está sendo inventada pelo
jornal. Na verdade, precisaria
de mais explicação.
Boa parte das reportagens, e
não apenas na Folha, ainda
transmite a idéia de que Mendonça de Barros se porta como
um garoto levado, como se ele
pudesse dizer o que diz à revelia
do presidente.
Quanto ao primeiro ponto,
pouco há que acrescentar ao
diagnóstico da leitora.
Na sexta-feira, por exemplo, a
edição trazia três textos sobre a
"guerra". Nenhum deles esclarecia o que representam, de fato, as partes em litígio.
Não me refiro às explicações
congeladas vira-e-mexe inseridas no noticiário, do tipo "desenvolvimentistas são os que
defendem a retomada do crescimento", e "monetaristas são os
que priorizam a estabilidade
econômica".
Essas, além de pobres para os
iniciados, de nada adiantam
para o leigo, que se pergunta como, afinal de contas, é possível
ser contra o crescimento ou
contra a estabilidade.
O que se espera são interpretações aprofundadas, que ofereçam ao leitor a oportunidade
de entender o que está por trás
dessa disputa e formar uma posição sobre o debate em torno
do papel do Estado.
Se prevalecer a abordagem esquemática, o leitor vai achar
que se trata apenas de uma versão menos interessante de Palmeiras x River Plate, ou do duelo entre Mestre Jedi e Darth
Maul.
Primeiro, um elogio.
Ele vai para as histórias de desemprego que a Folha publicou
no domingo passado, um painel
que teve o mérito de dar nome e
rosto a uma realidade que o governo e a imprensa costumam
descrever apenas com números.
A pedido do jornal, 9 dos 50
mil candidatos que concorriam
às 10 mil vagas da frente de trabalho aberta pela prefeitura
paulistana escreveram cartas
em que relatavam sua aflição.
Com segundo grau completo,
disputavam a chance de varrer
as ruas em troca de salário mínimo. Foram rejeitados. O recrutamento deu prioridade a
pessoas menos escolarizadas.
Os nove escolheram os destinatários de suas cartas. Nelas,
liam-se trechos como:
"O mais duro é não saber se
vou poder continuar pagando a
faculdade." (para o presidente
da República)
"O que fiz me inscrevendo na
frente de trabalho é vergonhoso?
Ou vergonhoso é o desemprego
que estamos vivendo?" (para
Gugu Liberato)
"Eu não quero conversa. Eu só
quero emprego." ("para ninguém")
Além dos depoimentos, a reportagem contava a história de
Gilvan Andrade, 32, demitido
há nove meses da fábrica de cortinas em que era ajudante-geral.
A Folha acompanhou Gilvan
em sua caminhada diária de 15
quilômetros em busca de trabalho.
Para o IBGE, explicava o jornal, ele não é desempregado,
porque recentemente fez "bico"
lustrando peças de madeira (o
instituto só inclui em seus cálculos pessoas que nada fizeram
nos últimos sete dias).
O material de domingo valia
pela força dos relatos e, como
disse antes, pela abordagem diferenciada da questão do desemprego. Feito o elogio, vamos
ao problema.
Dois dias depois, o jornal assumiu o tom de "porta da esperança" ao anunciar que, graças
à sua reportagem, Gilvan contava agora com "duas opções de
trabalho".
Fazia sentido registrar o desdobramento, mas, em primeiro
lugar, é lícito perguntar: se
duas possibilidades de emprego
(uma concreta, outra vaga) foram transformadas na segunda
notícia de maior destaque no
caderno Dinheiro, o que será
feito quando o ajudante-geral
for de fato contratado?
Na noite de sexta-feira, a Redação me informou que ele começou a trabalhar.
Em segundo lugar, a sobriedade dos textos de domingo deu
lugar, na terça-feira, a um engajamento festivo que fez a Folha se mostrar muito impressionada com o fato de um executivo ter doado uma cesta básica e
um pacote de biscoitos à família
de Gilvan.
Uma coisa é a disposição editorial de dar ao assunto um tratamento que vá além do duelo
entre estatísticas obtidas por
meio de diferentes metodologias.
Outra, muito diferente, é reduzir a questão do desemprego
a um espetáculo de histórias
tristes que, uma vez divulgadas
pelo jornal, serão resolvidas por
alguém disposto a "dar um pouco de si", como disse um dos entrevistados na terça-feira.
A Folha não pode enveredar
pelo segundo caminho, sob pena de incorrer na mesma superficialidade dos programas de
TV que o jornal gosta tanto de
criticar.
Por que têm de ser tão ruins as
entrevistas com atores que o
jornal publica a propósito do
lançamento de filmes?
Está certo que são eventos arranjados por estúdios e divulgadores com o único objetivo de
promover essas produções.
Acertos prévios definem o que
pode ou não ser abordado.
Nos diferentes jornais, as entrevistas são praticamente
iguais.
Mesmo levando tudo isso em
conta, há perguntas de doer.
Abaixo, dois exemplos colhidos na Ilustrada de sexta-feira.
Da Folha, para Keanu Reeves:
"Em sua carreira, já houve algum momento em que você teve
que se decidir entre uma escolha segura e uma escolha ousada?".
Da Folha, para Michelle Pfeiffer: "Como você concilia o papel
de mãe, dona-de-casa e sua carreira de atriz?"
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