São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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OMBUDSMAN

A imprensa no caso Grafite

MARCELO BERABA

Se o jogador argentino Leandro Desábato xingou o jogador brasileiro Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, de "negro de merda, filho da puta, negrinho", como consta no inquérito policial aberto em São Paulo após o jogo São Paulo x Quilmes, ele deve ser punido e sua condenação deve servir de exemplo para os que estimulam o ódio e a discriminação.
Mas, e se o jogador não pronunciou as ofensas racistas que a ele foram atribuídas? Neste caso, estaríamos diante de uma grande injustiça.
O caso Grafite provocou uma saudável e tardia discussão sobre a questão do racismo no futebol. Desde a noite de 13 de abril, quando Desábato saiu preso do estádio do Morumbi, o jornalismo esportivo e as páginas de opinião dos jornais analisaram exaustivamente o caso.
As análises se dividiram em dois campos: as que acharam que as providências tomadas (prisão, algemas, exposição pública do jogador, inquérito policial) foram corretas e as que consideraram que houve exagero. Os dirigentes do clube argentino julgaram o episódio uma "armação" e boa parte da imprensa daquele país tachou a ação da polícia de "espetacularização" e a cobertura da imprensa brasileira de "sensacionalista".
Na Folha, vários colunistas escreveram sobre o assunto, mas acho que dois resumem bem as diversas posições. Tostão condenou o racismo no futebol, mas não viu no episódio uma manifestação clara de discriminação. José Geraldo Couto foi mais duro: "Se for preciso optar, é melhor o exagero que a omissão".
A principal contribuição que a Folha deu nesse caso não foi, no entanto, o espaço que destinou ao debate, mas a disposição que demonstrou de fazer jornalismo, ou seja, de continuar a investigar o caso. Enquanto praticamente todo o resto da imprensa manteve o assunto apenas com artigos de opinião e textos de repercussão, a editoria de Esporte do jornal fez o que tinha de fazer, reportagens.
O inquérito contra Desábato se baseia na acusação de Grafite, em duas testemunhas e no vídeo da TV Globo que teria permitido a leitura labial das ofensas. Em sua defesa, Desábato nega os xingamentos racistas.
Desde quinta, a Folha publica várias reportagens que questionam essas provas. Na quinta, editou o resultado de três exames que mandou fazer do vídeo. Os peritos consultados declararam que não conseguiram ler na fita as palavras que Grafite afirma que ouviu.
Com essas conclusões, o jornal procurou as testemunhas, um amigo e o assessor de imprensa do brasileiro. Os dois assistiram ao jogo pela TV e, agora, segundo a Folha, se retrataram. É a capa do caderno de quinta: "Leitura labial é contestada; amigos de Grafite recuam".
Na sexta, o jornal informou que a súmula do jogo não relata a ofensa e que o relatório do representante da Conmebol menciona "suposto" racismo. O jornal voltou a ouvir uma das testemunhas de Grafite, que informou que o jogador teria sido pressionado pela direção do São Paulo para dar a queixa e que teria havido um acordo entre o clube e a polícia paulista.
Este caso, portanto, não está concluído. É possível que Desábato tenha sido racista? É. Mas é igualmente possível que tenha apenas ofendido, sem racismo. Se foi racista, tem de ser julgado. Se não foi, a discussão é outra. E o papel da imprensa é o de evitar uma injustiça.


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