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OMBUDSMAN
A crise que não acaba
MARCELO BERABA
A cobertura jornalística
da crise provocada pelas
acusações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) entrou,
na última semana, em nova
fase, esta ainda mais complicada do que a que se estendeu
pelas seis semanas anteriores.
Creio que já não haja qualquer dúvida de que vivemos o
pior momento político desde o
fim da ditadura militar. São
visíveis a perplexidade e o mal-estar diante da ininterrupta
seqüência de acusações e de indícios de irregularidades e de
corrupção.
O quadro ficou ainda mais
complicado na semana passada com a expansão das investigações, com as evidências de
que o esquema centralizado
em Marcos Valério também
beneficiou deputados do próprio PT (e não apenas de partidos aliados) e de partidos de
oposição (como o PFL e o
PSDB) e com os primeiros casos de enriquecimento pessoal.
Os leitores
É interessante como, aos
poucos, foi mudando o teor das
críticas enviadas pelos leitores
ao ombudsman. Durante o
mês de junho -e já comentei
isso anteriormente-, as queixas diárias eram muitas e quase todas parecidas. Os leitores
questionavam, principalmente, o que consideravam perseguição do jornal ao PT e parcialidade por abrigar acusações
ainda sem provas e vindas de
um deputado que consideravam
sem legitimidade.
A idéia de que a imprensa participava de um golpe contra o
governo Lula, explicitada pelo
professor Wanderley Guilherme
dos Santos na coluna que mantém no jornal "Valor", foi adotada pela maioria desses leitores.
Desde o início de julho, no entanto, quando começaram a
emergir dos documentos recebidos pela CPI dos Correios evidências de um grande esquema
de caixa dois canalizado para o
PT e para os partidos aliados, as
queixas em relação à cobertura
diminuíram e seu teor mudou.
Continuei a receber queixas de
leitores que acham que o jornal é
contra o PT, mas surgiram duas
outras espécies de mensagens: a
de leitores que escrevem pedindo
mais investigações e sugerindo
caminhos para as reportagens e
a dos que consideram que o jornal está ajudando a "blindar" o
presidente Lula, e que essa proteção não interessa à sociedade.
Não acho que o jornal esteja
protegendo o presidente, mas é
evidente a cautela com que tem
tratado a crise institucional e o
papel do presidente. O caso da
empresa do filho de Lula que recebeu R$ 5 milhões da Telemar
sumiu do jornal.
A oposição
Até sexta-feira, o jornal parecia hesitante na exposição de deputados da oposição que também teriam sido beneficiados pelo esquema de Marcos Valério. A
revista "Época" publicou, no domingo passado, reportagem que
mostrou que o esquema já funcionava na eleição de 1998 e beneficiou deputados do PSDB e
do PP. A revelação, talvez por se
referir a uma data remota, não
teve repercussão.
Os documentos mais recentes
avaliados pela CPI mostraram,
na terça, a presença do PSDB e
do PFL na movimentação de saques de contas do empresário. O
jornal "Valor" registrou numa
manchete interna: "Saques envolvem PT, base aliada e oposição", um resumo do tamanho da
encrenca em que o caso se transformou. A Folha só publicou a
notícia no dia seguinte.
O pior, na minha opinião, foi a
edição de sexta, que omite da
manchete da capa que o deputado Roberto Brant, que recebeu,
em 2004, R$ 150 mil de uma conta da Usiminas, é do PFL: "Deputado diz que recebeu da Usiminas via Valério".
Não considero a omissão da sigla um mero detalhe por uma
razão: como todos os casos de saques ocorridos até agora se referiam aos partidos da base aliada
e ao PT, era necessária a explicitação. Além disso, por uma questão de isonomia, uma vez que o
jornal vem identificando os partidos de todos os envolvidos.
Com a ampliação do número
de bancos que quebrarão o sigilo
dos envolvidos na CPI dos Correios e o recuo da data de investigação para antes do governo
Lula, é bem provável que um número maior de deputados e partidos, da situação e da oposição,
se veja envolvido seja em crimes
eleitorais, seja em corrupção.
Não acredito que o jornal vá
relutar em cobrir tudo o que
aparecer. Dois editoriais da semana passada, um na terça
("Verdades e mentiras") e outro
na sexta ("Além do PT") demonstram a disposição do jornal
de não preservar nenhum partido ou político.
Nova fase
Como escrevi acima, a cobertura entra em nova fase. E isso
acontece por duas razões principais. Primeiro, porque o noticiário dependerá cada vez mais das
informações saídas da CPI dos
Correios. Até agora tivemos um
período em que predominaram
as acusações, declarações e depoimentos. Os documentos enviados pelos bancos já estão dando novos rumos às investigações.
A cobertura da Folha na semana passada esteve focada
nesses documentos e no acompanhamento das informações originadas nas comissões do Congresso, na Polícia Federal e nos
ministérios públicos. É normal
que assim seja.
Fiz um levantamento das edições de sábado (dia 16) a sexta
(dia 22) e analisei 223 textos publicados pelo jornal relativos à
crise. Nesse tanto incluí editoriais, artigos de colaboradores,
colunas e infográficos.
Na cobertura jornalística, fiz
uma classificação de gêneros
pouco ortodoxa com o objetivo
de perceber alguns detalhes. Assim, classifiquei de noticiosos 80
textos (36%), os que relatam, alguns poucos com exclusividade,
os fatos e dados que surgem das
investigações oficiais. As reportagens com investigações próprias foram 15 (7%), o que demonstra as dificuldades que as
equipes do jornal estão tendo
neste momento.
Acho positivos esses números
em comparação com os textos
apenas declaratórios (entrevistas, repercussões, discursos), que
foram 11. As entrevistas com
acusações, o forte da cobertura
na primeira fase, praticamente
sumiram na semana que passou,
foram apenas três e nenhuma
relevante. O jornal deu bastante
espaço a textos de apoio (memórias, perfis, personagens e informações didáticas), 16, e às versões das pessoas acusadas, o
chamado "outro lado da notícia", com 27 textos separados, fora os do "outro lado" embutidos
em reportagens.
A cobertura entrou numa outra fase por uma segunda razão.
O tamanho da crise institucional
mudou de patamar com a discussão aberta, por parte das oposições, de saídas para o caso de
envolvimento direto do presidente nos escândalos.
O jornal deu espaço para opiniões nos editoriais (foram seis
no período analisado), nas colunas fixas (30) e nos artigos de colaboradores (sete, uma média de
um por dia). Essa discussão, no
entanto, ainda não está bem
contemplada na cobertura jornalística. Ao longo da semana,
contei apenas quatro textos com
bastidores da crise e três que de
alguma maneira a analisavam.
Vejo dois outros problemas na
cobertura da Folha. O jornal
continua a associar nomes de
pessoas ou de empresas ao escândalo sem que haja checagem
dos fatos e sem que elas sejam
ouvidas. O turbilhão de denúncias não pode servir de desculpa
para o afrouxamento da vigilância interna.
As informações estão sendo
publicadas soltas. O volume de
novidades é grande e é preciso
fazer um esforço maior para juntá-las, para mostrar como se encaixam neste quebra-cabeça que
já tem milhares de peças e ainda
não tem um desenho.
Embora a aceleração da crise e
sua imponderabilidade não deixem espaço para muita elaboração, é indispensável que o jornal
aproveite este período para melhorar a qualidade do seu jornalismo e para abrir mais espaço
para as análises e a discussão política. Qualidade, rigor, equilíbrio e pluralismo.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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