São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A pesquisa ignorada

As pesquisas de opinião exigem tratamento jornalístico cuidadoso. A leitura desatenta ou negligente pode ocasionar erros graves.
O Ibope divulgou na quarta-feira nova rodada da pesquisa que faz trimestralmente para a CNI (Confederação Nacional da Indústria). A comparação das edições de quinta-feira de alguns jornais mostra vários equívocos.
A desaprovação do governo Lula era de 38% em junho e chegou agora a 49%. A linha de aprovação também se altera: era de 55% e agora está em 45%. Como a margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, a perda de prestígio do presidente e de seu governo é inquestionável.
Ocorre que o mesmo Ibope fez pesquisa semelhante nos dias 18 e 22 de agosto para outro cliente. A comparação do resultado de setembro com o de agosto indica uma realidade um pouco diferente daquela apontada pela comparação com junho: a credibilidade do governo Lula, que vinha em queda desde junho, já tinha caído para 45% em agosto. Em setembro, portanto, não houve alteração.
Nem todos os meios de comunicação tiveram o cuidado de fazer esta ponderação. E ela é importante, não porque seja a favor ou contra o governo, mas porque é a realidade captada pelas pesquisas.
O comportamento da Folha foi incoerente. Internamente, ela destacou a pesquisa trimestral, uma opção correta sob o ponto de vista jornalístico, e informou que "o aumento nos índices de desaprovação ao governo e de desconfiança no presidente (...) precisa ser analisado com cautela" por causa da pesquisa de agosto. O jornal publicou, inclusive, uma advertência do diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino: "A comparação [com agosto] mostra que não há uma queda, como a maioria dos veículos [sites e TVs] divulgou durante o dia de ontem [quarta-feira], mas uma estabilidade na avaliação do governo".
Mas na capa o jornal ignorou suas próprias ponderações e divulgou apenas o resultado ultrapassado da comparação entre os dados de setembro e junho, desconsiderando agosto e a estabilidade apontada pelas pesquisas do Ibope e do próprio Datafolha.
Mesmo jornais habitualmente cuidadosos, como o "Valor", preteriram a pesquisa de agosto e basearam seus noticiários exclusivamente na pesquisa trimestral. Algumas manchetes ilustram o resultado desta omissão: "Confiança em Lula despenca" ("Extra"), "Ladeira abaixo em todas as classes" ("JB") e "Despenca confiança em Lula" ("Correio Braziliense").
Dos jornais que consultei, apenas o "Zero Hora", de Porto Alegre, publicou o infográfico com a série histórica da avaliação do governo incluindo as pesquisas de julho e agosto, e não somente as de junho e setembro. E a manchete interna do "Globo" foi a que acabou melhor retratando o fenômeno a que assistimos: "Após queda acentuada, popularidade de Lula fica estável".


Texto Anterior: A carta de Marilena Chaui
Próximo Texto: Comunicado interno: Enviados especiais
Índice


Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.