São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Índice

Charges

A revolução pelo cartum

José Alberto Lovetro é o cartunista JAL, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil. Seu comentário a respeito da cobertura da imprensa brasileira no caso das charges que retratam Muhammad e da reação violenta que provocaram nos países muçulmanos:
"O grande chargista Otávio provocou a ira dos católicos quando satirizou a ida do time do Santos à Basílica de Aparecida para pedir proteção, antes de uma partida decisiva com o rival Corinthians. Desenhou a padroeira do Brasil com a cara do Pelé. Uma multidão de religiosos cercou a porta do jornal "Última Hora" de São Paulo, que teve de encerrar o expediente por um bom tempo. Otávio foi demitido e teve de pedir proteção policial. No entanto, Henfil, outro grande cartunista, fez dos Fradinhos o ápice da escatologia e libertinagem com o pano de fundo religioso e não recebeu o mesmo tratamento.
A diferença é que Otávio quis homenagear Pelé, uma instituição nacional, quase um deus, mas atingiu a cultura religiosa de um país essencialmente católico. Já Henfil foi visceral contra a ditadura e acertou em demonstrar que todos os meios de resistência eram válidos para esse fim. Foi aceito como um inquisidor dos métodos do poder militar com apoio dos religiosos.
São dois casos que retratam o "risco de cálculo" do cartunista em seu trabalho. O que aconteceu nas charges publicadas na Dinamarca é que miravam a condenação da violência dos homens-bomba, mas viraram apenas provocação religiosa para um povo onde religião e política se misturam. Desnecessário o uso do profeta Muhammad para passar o recado.
Em nosso documentário "Pasquim, a Revolução pelo Cartum" (TV Sesc/Senac-1999), Millôr nos coloca que "quando algum assunto cai nas mãos dos cartunistas, não há mais salvação". O poder da charge cria e destrói ícones com seu simbolismo exacerbado. A função do humor é questionar o poder a todo o momento. Por isso é altamente revolucionário.
O que tem faltado às diversas páginas e ao tempo gastos na imprensa sobre esse caso é uma necessária discussão sobre o papel da charge. Houve casos de jornais na TV que um dia denominavam as charges de caricaturas e, no outro, de quadrinhos. Uma vergonha para quem fez faculdade de jornalismo e nem sabe o que é charge. Palavra vinda do francês, charge quer dizer "carga". Uma carga sobre um assunto factual e jornalístico.
Faltou à imprensa informar a respeito da linguagem da charge e entrevistar chargistas sobre a discussão "liberdade de imprensa versus linguagem corrosiva do desenho de humor". Não vi nada disso levado a fundo".


Texto Anterior: A criação da polêmica
Índice


Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman, ou pelo fax (011) 3224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.