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OMBUDSMAN
Nas mãos da polícia
MARCELO BERABA
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido
Mendes, do Rio, iniciou um trabalho inédito de análise da cobertura que os jornais fazem de
crimes, atos de violência e políticas de segurança pública.
A pesquisa avalia 2.514 textos
(reportagens, notas, editoriais e
artigos) publicados ao longo de
cinco meses de 2004 em três diários de São Paulo (Folha, "Estado" e "Agora"), três do Rio ("O
Globo", "JB" e "O Dia"), e três de
Belo Horizonte ("Estado de Minas", "Diário da Tarde" e "Hoje
em Dia").
O trabalho ainda não acabou.
O estudo Mídia e Violência encerrou a primeira fase, de classificação dos textos, e inicia agora
uma análise dos números que
recolheu. Mas há alguns dados
disponíveis que devem fazer os
jornais pensarem.
1 - Apenas 36,4% dos textos
analisados faziam referência a
mais de uma fonte de informação.
2 - 32,5% tinham como fonte
principal a polícia.
3 - Apenas 10,5% continham
diversidade de versões ou de opiniões.
Ou seja, o estudo parcial confirma a extrema dependência
que os jornais têm de fontes policiais. É um problema porque raramente são fontes confiáveis.
Irresponsabilidade
Há casos recentes que mostram como a polícia manipula a
imprensa e como a imprensa
acaba reproduzindo, sem qualquer verificação, acusações precipitadas feitas por autoridades
policiais.
Lembro o caso da estudante
Luciana de Novaes, atingida por
uma bala perdida, em maio de
2003, quando lanchava no campus da Universidade Cândido
Mendes, no Rio. A polícia divulgou, no dia e nos dias seguintes,
vários nomes de suspeitos. Até
um aluno da faculdade foi apontado como responsável pelo tiro.
Outro caso, de novembro de
2003 e também no Rio, foi o assassinato do executivo da Shell
Zera Todd Staheli e de sua mulher, Michelle. A polícia, antes de
qualquer investigação, jogou no
ar várias teorias nunca comprovadas e chegou a apontar uma
filha do casal como suspeita.
Isso não ocorre só no Rio. Pressionada pela imprensa em grandes casos, o comportamento irresponsável da polícia se repete
no Brasil inteiro.
A dependência exclusiva de
fontes policiais é um problema
ainda mais sério em cidades onde o tráfico de drogas mantém
domínio de territórios. Como a
imprensa não pode entrar nesses
locais, os crimes que ali ocorrem
têm apenas uma versão, a da polícia. Nas vezes em que a imprensa teve condições de ter acesso a
outras fontes nem sempre a versão da polícia foi confirmada.
Caso novo
Nada disso é novidade, os jornais têm consciência dessa dependência, reconhecem publicamente os problemas que ela ocasiona, mas continuam dando
crédito ilimitado à polícia.
Acabamos de assistir a outro
exemplo. O ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro foi assassinado
no Rio na noite de terça-feira. Na
sexta, os jornais deram os nomes
de vários suspeitos apontados
pela polícia. Um deles foi acusado porque, descobriu-se, era um
homicida foragido da Justiça.
O fato de o sujeito ter álibi
comprovado não impediu que
seu nome e foto saíssem nos jornais. A polícia tinha a obrigação
de prendê-lo, por ser um foragido; mas não tinha provas para
acusá-lo no caso do ambientalista. A Folha publicou ainda o nome e a história de um pastor protestante que, segundo a polícia,
seria outro suspeito.
Na mesma sexta, a polícia
anunciou à tarde a prisão do assassino. Não era o foragido nem
o pastor. E agora?
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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