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Três vezes Paulo Coelho
MARCELO BERABA
A "IstoÉ" antecipou a circulação e, na manhã de
sexta-feira, dia 18, já estava distribuída. No mesmo dia, à noite,
a capa da "Época" já podia ser
observada na internet. E no sábado circulou a "Veja". No domingo, os leitores sentiram o impacto nas bancas: as três maiores
revistas semanais tinham a mesma capa, o escritor Paulo Coelho
e o seu novo livro, "O Zahir".
Difícil imaginar, para os padrões editoriais brasileiros, lançamento mais bem sucedido. As
três revistas juntas tiveram uma
circulação média semanal ao
longo de 2004 de quase 2 milhões
de exemplares.
O choque foi imediato. O leitor
Nilton José Dantas Wanderley,
de Brasília, enviou um e-mail
bem-humorado ainda no domingo: "Hoje de manhã tomei
um susto ao chegar ao meu jornaleiro e ver emparelhadas, com
a mesma capa de Paulo Coelho,
"Veja", "IstoÉ" e "Época". O que é
isso? Uma campanha publicitária? As três com a mesma capa?
Vão dizer que é casualidade? Ah,
acredito em Papai Noel, disco
voador, mula-sem-cabeça e
também nesta história".
Para a Editora Rocco, que publica o livro no Brasil, a estratégia de marketing foi um sucesso
total. "Foi maravilhoso. Os livreiros ficaram impressionados
com a repercussão", comentou a
assessora de imprensa Cíntia
Borges. "Nunca tivemos uma divulgação como esta."
Além das três revistas no fim
de semana, o lançamento ganhou as capas dos cadernos culturais de terça-feira do "Estado"
("Paulo Coelho no reino das celebridades") e do "Globo" ("A
mágoa do mago"). A Folha só foi
tratar do assunto na Ilustrada
de ontem, dia que destina aos livros.
Revistas e jornais já fizeram,
fazem e continuarão a fazer
acordos, nem sempre transparentes, com produtores de livros,
filmes, CDs e DVDs para garantir os lançamentos que consideram importantes. É um risco que
correm porque os leitores desconfiam de reportagens que parecem campanha publicitária. É
a opinião, por exemplo, de Ariovaldo Pitta, de São Paulo.
"Como leitor, só posso lamentar o chamado "jornalismo de
mercado", que vem sendo praticado e patrocinado pelas empresas de comunicação no Brasil.
Todos os meios, sem exceção,
caíram na armadilha fácil de
transformar em notícia as bobagens de celebridades. Que jornalismo é esse? (...) O senhor Paulo
Coelho deve ter, sim, espaço na
mídia para divulgar seu novo livro, mas será que o lançamento
merece a capa das principais revistas brasileiras? O que está por
trás disso tudo é uma ação profissional e coordenada do marketing, vendendo essas coisas como se fossem notícia importante."
As revistas
O leitor colocou uma questão
interessante: precisava ser capa?
Nenhuma das três revistas tinha
assunto mais importante para
destacar?
As revistas semanais mudaram muito nos últimos anos. Aos
poucos foram trocando o noticiário pesado dos assuntos públicos, como a política e a economia, por seções mais leves e temas relativos à vida pessoal, como saúde, finanças, crenças,
comportamento. As celebridades
têm um espaço valorizado. Essa
estratégia vem dando certo sob o
ponto de vista comercial, tanto
que as três revistas tiveram crescimento em relação a 2003. Nesta perspectiva, as capas com
Paulo Coelho até que são coerentes.
Na edição sobre "O Zahir",
"Veja" (circulação média semanal em 2004 de 1,115 milhão) trazia uma continuação da história
de que as Farc teriam financiado
a campanha eleitoral do PT em
2002 e tratava de assuntos da semana (gastos públicos, Febem,
cotas nas universidades) sem novidades. Paulo Coelho foi editado em oito páginas (o mesmo espaço dado pelas três revistas) sob
a rubrica "Celebridade".
"Época" (428 mil exemplares)
assinara em dezembro um acordo com a Editora Rocco e pôde
publicar com exclusividade um
encarte com um capítulo do livro. Para isso, conseguiu o patrocínio de um laboratório. Segundo a Rocco, a estratégia de lançamento mundial previu a cessão de um capítulo para uma revista de cada país. No Brasil, a
escolha de "Época" foi do próprio Coelho.
O texto sobre o lançamento e
uma entrevista exclusiva foram
editados na seção "Literatura".
As principais reportagens da edição são sobre financiamentos do
BNDES para megaprojetos e a
contratação de petistas para a
central de abastecimento de São
Paulo. A revista destina duas páginas e oito fotos para acompanhar um dia na vida da modelo
Caroline Bittencourt ("A rotina
da barrada do ano").
"IstoÉ" (372 mil exemplares)
tem dois assuntos fortes que, em
tese, poderiam ter sido capa: um
documento acusa as tropas brasileiras no Haiti de despreparo e
há um relato sobre a vida na prisão dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia.
Paulo Coelho escreveu um texto para a revista e esta, para valorizá-lo, colocou um "exclusivo" na capa, o que parece excessivo quando se comparam as três
revistas. O material saiu em "Artes & Espetáculos/Livros".
Quarta revista semanal de notícias, "Carta Capital" ignorou o
lançamento. Com uma média
semanal de 58 mil exemplares
em 2003, a revista publicou, na
quinta, um anúncio bem-humorado em que colocava lado a lado as capas das três concorrentes
e a sua ("Dantas a pique", sobre
o banqueiro Daniel Dantas, do
Opportunity), com o seguinte
texto: "Nada contra os coelhos.
Mas alguém tem de vigiar as raposas".
Credibilidade
E o que dizem os diretores das
revistas? Eurípedes Alcântara,
da "Veja", não quis comentar o
assunto. Aluizio Falcão Filho, da
"Época", foi sucinto: "Tivemos
em dezembro a assinatura de
um acordo com a editora, que
nos prometeu um capitulo exclusivo. Fizeram isso e nos facilitaram a entrevista".
Hélio Campos Mello, da "IstoÉ", acha que a revista foi coerente ao dar a capa para o novo
livro de Paulo Coelho. "A repórter Eliane Lobato já tinha feito
uma reportagem grande para a
"IstoÉ", em 2003, quando foi
constatado que ele é o maior
vendedor de livros do mundo. O
novo livro está sendo lançado
em 83 países. Nada mais natural
que a gente dê um espaço alentado para o lançamento. Acho que
existe um preconceito com relação ao Paulo Coelho por parte
da imprensa. No caso da "IstoÉ"
não houve ação de marketing
nenhuma. Eu tratei direto com o
Paulo Coelho e ele fez um texto
exclusivo para a revista sobre a
expectativa dele em relação ao
livro."
É fato que Paulo Coelho é um
fenômeno mundial de venda e
como tal deve ser tratado pelos
meios de comunicação. Seria um
erro jornalístico grave ignorá-lo.
O problema é que o conjunto da
operação reforça nos leitores a
idéia de que jornalismo hoje é
mais mercado do que notícia e
de que as capas fazem parte de
uma estratégia comercial que
envolve as redações.
A repetição de episódios como
este mina a credibilidade de jornais e revistas e deveria ser uma
fonte de preocupação e de discussão para todos nós -empresas, jornalistas e leitores.
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