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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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OMBUDSMAN

Jogo dos sete erros

BERNARDO AJZENBERG

Leia essas duas histórias:
1) Um bancário foi morto com um tiro na cabeça segunda-feira por volta das 12h30 quando dois homens tentaram roubar seu automóvel Polo. Ele, provavelmente, teria reagido ao assalto. Antes de abordá-lo, os ladrões -um aparentando ser menor de idade, o outro com cerca de 30 anos- tinham roubado duas bicicletas e vinham sendo seguidos pelas vítimas quando um deles bateu num carro. Depois de atirar no bancário, desistiram de pegar o Polo e roubaram, para fugir, o Santana de um taxista que estava por ali. O bancário era marido de uma delegada-assistente de polícia.
2) Um piloto da TAM foi morto com um tiro na testa segunda-feira por volta das 13h após descer de seu Fiat Palio para tentar impedir que dois homens assaltassem um casal que estava num Vectra. Após o disparo contra ele, os ladrões - com cerca de 20 anos de idade- fugiram numa bicicleta e bateram num Mercedes. Em seguida, abandonaram a bicicleta e roubaram um táxi para fugir. O piloto era marido de uma delegada de polícia.
A primeira história saiu na Folha terça-feira sob o título "Ladrões de bicicleta tentam roubar carro e matam bancário na zona sul". A segunda é do "Estado de S.Paulo" do mesmo dia; chamava-se "Piloto leva tiro na cabeça ao tentar evitar assalto".
Até aí, tudo bem, a não ser por um "detalhe": nos dois casos, a vítima era a mesma, o cidadão João Carlos Tavares Botelho, 49.
Só não incluí uma terceira versão, publicada no "Diário de S.Paulo", com ainda outras diferenças, para não ocupar tanto espaço desta coluna com as narrativas.
Consultada, a Redação da Folha confirma suas informações, baseadas em relato de policiais e no boletim de ocorrência registrado no 27º Distrito Policial.
O "Estado" publicou uma correção ao pé de um texto em pé de página na quarta, dizendo que Botelho era bancário, não piloto (também chequei o dado com a TAM na sexta), mantendo, porém, a versão de que foi morto ao tentar impedir um assalto.
No original, a fonte citada -além de "testemunhas"- é um delegado do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil.
Já o "DSP" ainda trazia na quinta que a vítima era mesmo piloto de avião; fonte inicial: o delegado-titular do 27º DP.

Em quem acreditar
Calcula-se que cerca de um terço do conjunto de leitores da Folha ou do "Estado" leiam, também, o jornal concorrente. Seriam perto de 300 mil pessoas -um número nada desprezível.
Aliás, foi uma delas que, terça cedo, chamou-me a atenção para as divergências entre as versões da mesma história na Folha e no "Estado". "Em quem devo acreditar?", ela perguntava.
Não é a primeira vez que disparidades ocorrem entre textos de diferentes jornais sobre certo evento. Dentro de algum limite, isso parece inevitável.
Na quarta-feira, por coincidência, um outro leitor apontou diferenças entre a edição regional da Folha para o Vale do Paraíba e outros diários em reportagem sobre ocupação de fazenda por sem-terras (diferenças de data, área, localização, número de famílias, grafia de nomes). A Redação admitiu dois erros na edição de ontem.
Especialmente na cobertura policial -que depende muito de reconstituições e testemunhos-, aproximar-se do real exige cruzar informações oficiais e extra-oficiais à exaustão.
Se tivesse de escolher com os dados até agora disponíveis nesse caso, eu optaria pela versão da Folha como a que mais provavelmente chega perto dos fatos.
E isso, por pelo menos dois motivos: a citação do boletim de ocorrência como fonte documentada oficial (embora nem sempre BOs sejam confiáveis) e a tradição do jornal de assumir erros regularmente -algo que outros veículos fazem pouco e com timidez- em seção fixa da nobre página A3.
Mesmo assim, pende no ar alguma incerteza e se reforça a convicção de que a "vida de leitor", ainda mais de quem lê vários jornais, não é nada fácil.


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