São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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OMBUDSMAN

Antes do ringue

BERNARDO AJZENBERG

Os lutadores não se trocaram. Nem sequer mediram o peso. Experimentam luvas, conversam com auxiliares, buscam concentração, estudam golpes, cada qual no seu vestiário.
Troca de olhares agressivos, já fizeram; e enviaram, por terceiros, mensagens desafiadoras. Mas a hora do confronto aberto ainda não chegou -e ninguém sabe ao certo, inclusive entre os organizadores, se ele, de fato, vai acontecer.
Lá dentro, porém, no ginásio, um grupo de pessoas já acende as luzes, limpa o chão do ringue e suas cordas, aciona microfones e começa a chamar os atletas:
"Vamos lá, pessoal. O povo tem pressa. Está tudo pronto. Definam logo esse troço!".
Assim pode ser retratada a atuação, por um lado, dos pré-candidatos do PSDB à Presidência da República e, por outro, da maior parte da imprensa.
Há visível ansiedade, nos jornais, em especial na Folha, pela definição da candidatura palaciana. E essa ansiedade produziu, nos últimos dias, ao menos três problemas.

O "público"
Desde o último dia 16, não houve uma única edição em que o assunto -Tasso Jereissati versus José Serra, o ministro Paulo Renato correndo por fora, destrambelhado pela greve nas universidades federais- não ocupasse no mínimo uma "cabeça de página" (o título principal).
Uma semana antes do evento promovido pela família Covas em São Paulo, segunda-feira, para "lançar" o governador cearense, já os holofotes se concentravam nisso.
A própria Folha, em editorial do dia 19, não escondia sua posição: "O público tem o direito de ter acesso ao que os governistas têm a dizer sobre esse e outros grandes temas que estarão em jogo no ano que vem".
Mas quem é "o público", aqui?
Até o momento, qualquer pesquisa não deixará de mostrar que a população não está ligada, ainda, na sucessão presidencial.
Na verdade, há uma necessidade dos "agentes econômicos e políticos", incluída a imprensa, de se situar o quanto antes. Eis o "público".
Isso justificaria o exagero com que o jornal abordou o embate em gestação, ainda mais se considerando o fato de que os pré-candidatos tucanos vêm tendo, até o momento, péssimo desempenho nas pesquisas eleitorais?
Da perspectiva dos tais "agentes", talvez sim. Há mesmo pressa. Mas certamente não para a grande maioria dos leitores.
O segundo problema dessa excessiva dosagem de PSDB/Planalto está em que ela, obrigatoriamente, fez o jornal subestimar assuntos relevantes.
A edição de quinta (25) foi exemplar. Nesse dia, a Folha deixou de dar pelo menos três notícias de peso: 1) o bloqueio, pelo Tribunal de Contas da União, de bens da empreiteira OAS no caso da construção do aeroporto de Salvador (BA); 2) a autorização, pela Justiça, da quebra do sigilo telefônico do lobista Alexandre Paes dos Santos; e 3) a decisão de bloqueio da aposentadoria do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto.

Realidade e "plantação"
O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, avalia que, "de todas as incógnitas do processo sucessório, a maior neste momento é a definição do nome que será apoiado pelo governo e o futuro da aliança que sustenta FHC".
"Esse imbróglio, que vinha sendo cozinhado em banho-maria, esquentou a partir da movimentação de Tasso, que, na prática, pôs sua candidatura nas ruas para testar sua viabilidade", explica. "O contra-ataque de Serra, candidato não-declarado, foi imediato."
O editor conclui: "Do desfecho dessa guerra velada dentro do governismo depende o futuro da aliança e até mesmo o destino das candidaturas Itamar e Ciro, já que a do PT parece consolidada. É natural, portanto, que os esforços do jornal se concentrem nessa disputa, procurando elucidar os lances e bastidores de uma trama intrincada".
Tem lógica e faz sentido. Mas justamente aí reside o terceiro problema: o jornal não tem conseguido explicar à altura, proporcionalmente ao espaço que reserva ao assunto, o que de fato se prepara nos vestiários.
Noticiam-se movimentações à exaustão, diariamente, como se a Folha fosse um palanque à disposição dos tucanos, mas quantos leitores já entendem qual o jogo de FHC (o que é verdade e o que é mera "plantação" de notícia por parte do Planalto quanto a suas preferências)?
Quantos leitores fazem idéia de quem realmente apóia quem nesse embate?
Que projeto Tasso representa? E Serra? E Paulo Renato?
Que alianças partidárias, com esses nomes à frente, seriam capazes de derrotar Lula ou, em hipótese mais remota, Ciro Gomes ou Itamar Franco?
A coluna Mônica Bergamo informou segunda que uma pesquisa que a mídia vinha divulgando com números favoráveis a Serra em relação a Tasso sem lhe definir a origem fora na realidade encomenda dos "serristas". O jornal foi atrás? Não.
Com páginas e páginas sobre o assunto, expondo sua própria ansiedade, até o momento a Folha ficou na superfície, apenas estimulando, lustrando o ringue, chamando a que se o adentre.
Não explicou, até agora, o que se passa nos vestiários, no aquecimento, na composição do sangue dos lutadores. Isso sim, em última instância, teria sido capaz de justificar tanto papel e, também, diferenciar o jornal de seus concorrentes.



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