São Paulo, domingo, 29 de julho de 2001

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OMBUDSMAN

Ares de Gênova

BERNARDO AJZENBERG

Dois tipos de objeção chegaram ao ombudsman sobre a cobertura da reunião do Grupo dos 8 em Gênova no final da semana passada.
Um grupo de leitores queixou-se das fotos que estampavam na capa da Folha do dia 21 a morte do jovem Carlo Giuliani. O assinante Fernando Andrade, por exemplo, escreveu o seguinte:
"Desautorizo a Folha a entrar em minha residência novamente com fotos de extremo mau gosto como as fotos em destaque de primeira página de hoje (assassinato de um manifestante contra a globalização). O mau gosto atingiu o extremo na foto onde a vítima agoniza "esguichando" sangue. Onde o jornal quer chegar? Por favor, não repitam isto!".
Menciono esse e-mail não só por sintetizar os demais mas também por mexer com a relação entre o jornal e seu leitor mais fiel e majoritário: o assinante.
Não se deve discutir em abstrato o uso ou não de uma foto chocante, e sim vinculá-lo ao veículo, suas tradições, seu público.
O assinante paga para ter o jornal em casa por conhecê-lo. Não antevê seu conteúdo, mas sabe entre que margens navega.
Uma foto pode estarrecer certo leitor e ser banal para outro. O difícil, para o editor, ao deparar com imagens "pesadas", é justamente definir limites, com base no perfil médio de seu leitorado.
Nesse caso, com a foto do "close" do rapaz de cabeça sangrando no asfalto, a Folha exagerou.
Não foi um problema isolado, claro. Os leitores do "Jornal do Brasil", do Rio, por exemplo, tiveram mais motivos do que os da Folha para se sentir chocados.
Aquele diário praticamente transformou num minipôster, no alto de sua capa, a cabeça "esguichando sangue" de Giuliani.
"O Globo" e "O Estado de S.Paulo" não deram a foto em suas capas. O "Libération", tablóide francês, ocupou a capa com o corpo, dando ênfase menor à cabeça. "The New York Times" deu uma sequência de fotos, e só uma trazia o morto, à distância, como o argentino "La Nacion".
Cenas chocantes, sempre haverá. O desafio continuará a ser detectar o ponto em que uma foto deixa de ser registro forte e contundente para se transformar, dependendo de como é editada, em ícone apelativo ou sensacionalista.

ONGs e fóruns
A segunda queixa se refere a um aspecto de fundo: até que ponto os jornais refletem a realidade do que há por trás das manifestações "antiglobalização"?
Têm sido eficazes na cobertura de dia-a-dia -não apenas nos momentos especiais- das centenas de organizações independentes, não-governamentais, que se expandem internacionalmente?
Comparando-se a cobertura de Gênova com a de Seattle (EUA), em 99, durante encontro da Organização Mundial do Comércio, é inegável que houve avanço.
Conhecem-se melhor alguns grupos ou entidades impulsionadores dessas mobilizações.
Além disso, agora, houve mais artigos de analistas procurando captar o fenômeno e, até, explorar suas divisões internas.
Mas quem acompanha a imprensa, inclusive a Folha, sabe não haver cobertura sistemática dessa multidão crescente de associações, daí a surpresa diante da força de certos eventos.
Pergunto, a título de exemplo: o que deliberaram os encontros paralelos ao dos chefes de Estado do G-8, centralizados pelo chamado Fórum Social de Gênova?
Os jornais, inclusive a Folha, mencionaram pontos que seriam discutidos, e só. Ao final, prevaleceram no noticiário o sangue de Giuliani e as "grandes decisões" do G-8 formal. São fatos da maior importância -é evidente-, mas não os únicos relevantes.



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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
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