UOL


São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

Próximo Texto | Índice

OMBUDSMAN

Caixa de surpresas

BERNARDO AJZENBERG

Nas últimas duas semanas, notícias importantes de economia pegaram analistas, consultores e jornalistas de surpresa.
A maioria apostava que o Banco Central abaixaria no máximo em um ponto percentual a taxa básica de juros (Selic). Na quarta-feira 19, foi anunciada uma "ousada" redução de 19% para 17,5%, bem superior à esperada.
Nessa quinta (27), os jornais noticiaram um "decepcionante" crescimento de apenas 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre, quando a expectativa era de algo até 2,4%.
Surpresas vieram também com dados de desemprego, renda e inflação (veja exemplos ao lado).
Desconte-se a dificuldade natural de toda previsão, ainda mais numa economia cambaleante como a brasileira. Desconte-se, também, o fato de estarmos, em tese, numa fase de transição, sob um novo governo.
O fato é que consultores e analistas erraram, e bastante, em suas projeções, particularmente no caso do PIB, como mostrou reportagem na Folha de quinta.
Tal situação deveria levar a mídia, acredito, a refletir sobre como é gerada a produção de seu noticiário econômico.
Repórteres "passam apertado" na mão da polícia quando cobrem crimes. Comem da mão de procuradores, frequentemente, ao revelar escândalos políticos. Dependem, excessivamente, de produtores e do mercado de entretenimento se o assunto é arte.
Por que na economia haveria de ser muito diferente?
Com a profissionalização das consultorias nos últimos anos -emitem diariamente boletins, análises e previsões sobre temas variados-, a pauta dos jornais tem, cada vez mais, uma relação de dependência com elas.
Nada contra o seu trabalho. Fazem uma pressão legítima. Tocam seu ofício.
A questão que merece reflexão é como a mídia absorve essa produção e a repassa ao leitor.
Ao abordar a pauta no livro "Elementos de Jornalismo Econômico", o jornalista Sidnei Basile comenta que "uma das formas insidiosas de ceder à burocracia é a de se deixar pautar pelos outros. O impulso de ceder diante disso é muito grande, porque todos os emissores de informação que giram em torno da imprensa econômica estão continuamente agindo para obter a assimilação, pelo jornalista e pelo veículo que ele representa, dos pontos de vista que esses emissores desejam, e não necessariamente a verdade dos fatos".
Para o editor de Dinheiro da Folha, Marcio Aith, "mudanças de metodologia e avaliações equivocadas sobre o comportamento de variáveis ou de setores produzem facilmente erros em previsões", inclusive de instituições oficiais. "Nesse tema, o jornalismo econômico é, por natureza, vulnerável a erros", diz.
Sobre o "oligopólio de fontes", o editor lembra que, ante o assédio iniciado nos anos 90 pela crescente comunidade de analistas pagos por instituições financeiras ou de consultorias criadas por profissionais egressos do mercado financeiro, o chamado setor produtivo se desarticulou e perdeu a capacidade de expor sua opinião, enquanto o jornalismo econômico não foi suficientemente ágil e pró-ativo para divulgar visões alternativas, levar equilíbrio a suas análises.
Aith pondera que a Folha se esforçou para dar espaço aos pensamentos acadêmico e empresarial, enquanto entidades do setor industrial contrataram analistas e se aparelharam "para se contrapor à opinião dos bancos".
O caderno Dinheiro, diz ele, tem ouvido com frequência analistas das entidades industriais e professores universitários. O debate, hoje, na sua opinião, está mais equilibrado.
Apesar disso, segundo o editor, as instituições financeiras ou consultorias ligadas a elas ainda produzem volume de análises muito maior que qualquer outro setor da economia e o debate econômico no Brasil ainda é travado por poucos personagens.
Outro problema apontado por Aith: ao elevar seu poder de influir no debate, a indústria obscurece setores mais desfavorecidos do que ela na economia.
"Sem entidades poderosas, o setor de serviços e a Construção Civil, por exemplo, empregam muito mais, mas foram especialmente prejudicados por alterações tributárias ou modelos de financiamento, voltados às montadoras e às exportações. Debates sobre política industrial ganham manchetes como se indústria fosse o único setor da economia", conclui Aith.
Os erros lembrados no início da coluna não são, obrigatoriamente, atestado de incompetência para analistas e consultores.
Acredito, no entanto, que, ao lado das distorções apontadas pelo editor, devem servir como sinal amarelo para os jornalistas, inclusive da Folha, no sentido de refletirem se não estão publicando previsões demais, alimentando "bolsas de apostas" em excesso, com informações interessadas que têm consequências diretas, em termos de decisões práticas, no bolso do leitor.
Não é, como se sabe, uma pequena responsabilidade.



Próximo Texto: Liberalidade
Índice


Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.