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Peter Kornbluh

O caso Araguaia e o direito à informação

A Lei de Acesso à Informação reforça o poder da Comissão da Verdade: ordena a liberação de toda a documentação sobre violações de direitos humanos

Um ano já se passou desde que a Corte Interamericana de Direitos Humanos anunciou sua decisão sobre o caso do Brasil e a guerrilha do Araguaia. A resposta do governo a esse caso histórico encerra implicações importantes para o modo como o Brasil vai se unir ao resto da América Latina em reparar as atrocidades de direitos humanos cometidas durante a era militar e firmar-se como líder moderno do século 21 nas questões críticas de responsabilização e transparência.

A corte decretou que o governo brasileiro devia assumir a responsabilidade clara pela morte e pelo desaparecimento de mais de 60 guerrilheiros na região do Araguaia nos anos 1970 e que "deve continuar a desenvolver iniciativas para a busca, a sistematização e a divulgação de todas as informações sobre a guerrilha do Araguaia, ao lado de informações sobre as violações dos direitos humanos ocorridas durante o regime militar".

Essa cláusula na decisão sobre o Araguaia a torna histórica. É a primeira vez em que uma sentença internacional reconheceu que, para as vítimas e as suas famílias, o direito à informação é por si mesmo um dos direitos humanos.

De fato, ocultar, acobertar ou distorcer informações, como militares brasileiros vergonhosamente vêm fazendo há quase quatro décadas, é "comparável à tortura", a corte declarou claramente.

A resposta do Brasil à cláusula sobre o direito à informação vem sendo ambígua. Os militares, sempre recalcitrantes, têm-se negado a cooperar com a ordem da corte de transferir para o Arquivo Nacional todos os documentos militares e de inteligência sobre a campanha de contrainsurgência no Araguaia, reivindicando, como de praxe, que tais documentos não existem mais.

Os generais brasileiros também impediram a nova lei da Comissão da Verdade de responsabilizar legalmente quaisquer ex-oficiais pelas atrocidades que cometeram, como os massacres do Araguaia.

Contudo, em 18 de novembro, a presidente Dilma sancionou a lei sobre a Comissão da Verdade, sancionando também, e pela primeira vez, uma lei que cria um sistema de liberdade de informação. De fato, a Lei de Acesso à Informação contém cláusula especial que reforça o poder da Comissão da Verdade: ordena a liberação de toda a documentação histórica relacionada a violações dos direitos humanos.

Se a experiência dos países latino-americanos com legislação semelhante servir de indicativo, porém, será preciso a atuação dos grupos que lutam pelo acesso à informação, como a Abraji, e de outros grupos de direitos humanos, como o Cejil, o ativismo das famílias das vítimas e a autoridade dos membros da Comissão para de fato trazer esses registros para domínio público.

Com tudo o que ela precisa fazer, a Comissão também terá que assumir a responsabilidade por definir, identificar, localizar e exigir a liberação de todos os principais arquivos de documentos que tratam de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar.

Para obter o mosaico histórico completo da repressão, a Comissão deveria também entrar em contato com outros países possuidores de arquivos relevantes, incluindo os EUA, cujos arquivos secretos podem lançar luz considerável sobre abusos no passado brasileiro.

A verdade é como um gênio da garrafa; uma vez liberada, ganha poderes mágicos. A implementação bem-sucedida da Comissão da Verdade e da Lei de Acesso à Informação é a primeira linha de ataque à imunidade que por tanto tempo escondeu os criminosos. Atenderá essencialmente às vítimas e suas famílias, que vêm lutando com tenacidade para saber a verdade.

Mas cumprir o que prevê a decisão da Corte Interamericana também fará o Brasil avançar como sociedade civil moderna e beneficiará o avanço dos direitos humanos na região como um todo. Por essas razões, a comunidade internacional de direitos humanos está observando e aguardando.

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