Paul Singer
O reconhecimento da economia solidária
O Brasil poderia ter muito mais empresas salvas por seus trabalhadores. Uma legislação como a da França seria um ótimo instrumento
Para combater a grave crise de desemprego que assola a França, o governo socialista de François Hollande está apostando, entre outras medidas, no incremento da economia social e solidária (ESS). Desde 2000, o volume de emprego na ESS francesa cresceu 24%, enquanto o aumento de vagas na economia capitalista foi de apenas 4,5%.
Em 31 de julho deste ano, o Parlamento francês aprovou uma lei que não apenas reconhece a economia social e solidária, como também cria dispositivos para estimulá-la. Na economia social e solidária, a propriedade das empresas é dos trabalhadores, que criam empregos sem depender imediatamente do crescimento das vendas de bens e serviços, como ocorre nos empreendimentos capitalistas.
A economia solidária nasceu há 170 anos com tecelões ingleses desempregados que, no afã de sobreviver, criaram a Cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale. Desde então, o movimento cooperativista se espalhou pelo mundo.
O Brasil tem hoje 1,5 milhão de trabalhadores associados a cooperativas que praticam a autogestão, em todos os Estados da Federação.
Apesar da força crescente da economia solidária no Brasil, não existe ainda uma lei que reconheça esse tipo de empreendimento, o que seria muito importante, pois facilitaria o acesso de tais empresas a financiamentos, já que deixaria os investidores melhor informados e mais confiantes nessa modalidade empresarial.
A nova lei francesa faz esse reconhecimento legislativo da economia social e solidária, do mesmo modo que Espanha, Portugal, México e Cuba fizeram recentemente.
Outro pulo do gato da lei francesa é criar a possibilidade de os trabalhadores assumirem a fábrica ou a empresa em que estão empregados e que esteja à venda ou em risco de ir à falência.
A lei torna obrigatório que os empregados sejam informados pelos empregadores a cada triênio sobre as condições jurídicas de uma possível retomada de uma empresa, sobre as suas vantagens, sobre as dificuldades que poderiam ser encontradas e os dispositivos de ajuda.
Com essas informações, se os empregadores estiverem cogitando se desfazer da empresa ou encerrar as atividades por algum motivo, os empregados terão a oportunidade de deliberar se desejam formar uma cooperativa para assumir o negócio no lugar dos atuais donos.
Em muitos países, empresas de médio tamanho que dão lucro fecham quando seu fundador envelhece, adoece ou se aposenta e os herdeiros têm outras profissões que não pretendem abandonar.
O fim das atividades dessas empresas acarreta prejuízos aos trabalhadores --que ficam sem trabalho--, aos clientes, aos fornecedores e aos governos, que deixam de receber os impostos.
No Brasil, uma pesquisa recente feita por dez universidades revelou a existência de 67 empresas cooperativas que sucederam a empresas que faliram, foram recuperadas por ex-empregados e estão em pleno funcionamento.
Boa parte dessas cooperativas, que empregam cerca de 12 mil trabalhadores, está no ABC paulista. Uma das maiores é a Uniforja, que surgiu em 1997 da iminente falência de uma fábrica metalúrgica de Diadema, e hoje fatura R$ 160 milhões por ano.
Com certeza, o Brasil poderia ter muito mais empresas salvas por seus ex-trabalhadores. Uma legislação como a francesa seria importante instrumento nesse sentido.
O projeto de lei que cria o Sistema Nacional de Economia Solidária tramita no Congresso desde 2012. Espera-se que a nova legislatura aprove-o e ajude a difundir os princípios do cooperativismo no país.