Ruy Castro
Dialeto do planeta Bizarro
RIO DE JANEIRO - Um burocrata do governo anunciou há dias a necessidade de um "resgate reputacional" das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato. Essas empresas, exauridas pela dinheirama que soltaram para comprar políticos, estão sem caixa, sem crédito e com a reputação no pé. Isso não é bom. Donde o burocrata pediu ao BNDES que as socorra para tirá-las do buraco. Por "resgate reputacional", entenda-se "livrar a cara" em pernostiquês.
Faz parte da tradição brasileira falar difícil para dizer coisas simples --porque, se ditas com a devida simplicidade, elas podem ser entendidas. E o importante é que não sejam entendidas. Na ditadura, por exemplo, sempre que seus planos para a economia davam errado, o ministro Delfim Netto, com deliciosa "nonchalance", dizia: "Houve uma reversão das expectativas". Não seria mais fácil admitir, "errei"? (E não se iluda com a palavra "nonchalance". É apenas uma forma pedante de dizer "cara de pau".)
Daí ser normal que os tesoureiros dos partidos chamem de "recursos não contabilizados" a grana que eles não conseguem camuflar e que está vindo à tona na Lava Jato. Se bem que, nesse caso, a expressão esteja certa. Como contabilizar dinheiros que viajam em cuecas e circulam por endereços fantasmas e contas ectoplásmicas?
Sou fascinado por esse dialeto do planeta Bizarro. Seu patrono, para mim, era o falecido Antônio Houaiss. Certa vez, como editorialista do "Correio da Manhã", ele denunciou a falta d'água no Rio como "escassez de linfa potável". Houaiss aprovaria chamar a atual falta d'água de "crise hídrica". E adoraria saber que, em São Paulo, uma simples revisão do carro é uma "inspeção veicular".
Nesse dialeto, até expressões simples querem dizer outra coisa. Veja a clássica "doação para campanha". Significa, na verdade, "empréstimo a juros altos".