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Ruy Castro

Dickens e os piratas

RIO DE JANEIRO - Charles Dickens, cujos primeiros 200 anos de eternidade se deram ontem, foi convidado a ir aos EUA em 1842. Como todo inglês, ele se sentia estomagado pela recente independência da ex-colônia. Por outro lado, tinha curiosidade pela diversidade do povo americano, que ia do poeta Longfellow, sua grande admiração, a escravagistas, caçadores de búfalos e gente que mascava fumo e cuspia no chão da sala.

Quanto aos americanos, eram loucos pelos seus romances. Em 1842, eles já tinham lançado "The Pickwi ck Papers", "Oliver Twist" e "Nicholas Nickleby", em livro ou em capítulos, como folhetins, em jornais e revistas. Mas nem Dickens imaginava como seria recebido.

Assim que botou o pé no país, as multidões acorreram. Queriam abraçá-lo, lambê-lo, apalpá-lo. Não podia nem comer sossegado -onde estivesse, havia alguém para vê-lo mastigar. O barbeiro que lhe cortou o cabelo leiloou os chumaços que caíram ao chão.

Dickens fez palestras em instituições superlotadas e discursos ao fim dos incontáveis banquetes em sua homenagem.

Até que, em semanas, começou a se referir às edições não autorizadas de seus livros nos EUA e denunciar a imprensa local, que publicava suas histórias sem pagar. A palavra pirataria foi empregada. Os americanos ficaram magoados; depois, furiosos. Era assim que ele retribuía a acolhida? E fora para isso que viera à América? Mercenário e dinheirista de uma figa, isto é o que ele era.

Dickens, então, moderou-se. Mas a semente estava lançada. A partir dali, os direitos dos escritores seriam respeitados. Hoje, 170 anos depois, voltou-se a pensar que esses direitos não significam nada e que os autores menores de 200 anos, que tentam proteger sua obra, querem estabelecer "censura" às novas mídias. É uma piada sinistra. Volte, Charles, precisamos de você!

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